Tudo muda o tempo todo. As estações mudam. O dia vira noite. As sementes viram árvores. As crianças crescem. As roupas se desgastam. Os frutos apodrecem…. A vida, em constante movimento, é um sobrepostos de mudanças, muitas vezes inevitáveis e sobre as quais não temos o menor controle. Quando o dia ensolarado dá lugar à tempestade ou quando a viçosidade da pele jovem dá lugar aos vincos que o tempo desenhou, a mudança se impõe mostrando-nos que é uma lei implacável. Ainda assim, sabidos que “tudo muda o tempo todo no mundo”, tememos a mudança como à própria morte, quando, na verdade, é bem o contrário.
Talvez a nossa grande questão com a mudança se dê no campo das escolhas. As mudanças que nos doem, dessa forma, não seriam aquelas sobre as quais, inescapavelmente, não temos domínio, mas aquelas que perpassam o campo da escolha, que nos convocam à responsabilidade com nossa própria vida e sobre as quais imaginamos ter algum controle. No âmbito da nossa vida pessoal, toda mudança implica em uma escolha, que, por sua vez, resulta em uma renúncia. Uma vez que não se pode ter tudo na vida, escolher desbravar um novo caminho que nos aponta para um destino de possibilidades significa abandonar o percurso conhecido, mas que nos leva sempre ao mesmo lugar.
Há um poema de Fernando Teixeira de Andrade que toca brilhantemente nesse ponto tão sensível para todos nós. Diz o poeta que há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Abandonar as roupas usadas… Abandonar os nossos caminhos… Abrir mão do conhecido… Nesse ponto, ainda que munidos da consciência que as mudanças são intrínsecas à vida, relutamos ante ao desconforto gerado pelas incertezas trazidas pelo novo e, ainda que desejosos pela travessia, fincamos o pé na margem – lugar onde nada mais acontece, mas onde nos sentimos seguros. À margem dessa metáfora comumente nomeamos de zona de conforto. Esse lugar que, por mais confortável que pareça, é o lugar de onde assistimos a vida passar, não onde a vida acontece.
Enquanto ficamos na nossa zona de conforto, estáticos,, o mundo pra fora de nós continua seu movimento inexorável. E, inevitavelmente, se não cedemos ao movimento da vida, o resultado possível é que ela se imponha sobre nós; isso é, as situações vão mudando ao nosso redor e, à nossa revelia, os eventos externos vão se sobrepondo a nós. Aquilo que, num primeiro momento, mostra-se como uma tentativa de esquivar-se do que, eventualmente, poderia tornar-se uma má escolha – o que gera a paralisação – torna-se um processo de dessubjetivação, uma vez que o que nos torna sujeitos, agentes da nossa própria história, é nossa capacidade de fazer escolhas e, a partir delas, colocar nossa vida em movimento.
Se no movimento natural da vida às crianças tornam-se jovens, os jovens tornam-se adultos e os adultos, idosos, a mudança, como uma lei implacável, se impôs. No entanto, nessa linha do tempo, só houve mais do que mera existência, se, de alguma forma, pessoas foram agentes de suas próprias histórias, fizeram mudanças conscientes e escolhas que colocaram suas vidas para pulsar. Portanto, se a vida é aquilo que pulsa, o medo da mudança é a própria morte. É como diz os versos “Porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive, já morreu…”