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Associação Livre:  Sobre a impermanência

Freud

“Tudo é vário. Temporário. Efêmero. Nunca somos, sempre estamos”, disse-nos Chico Buarque. De fato, a vida e sua impermanência não cansam de nos apontar para o que acaba. O filho que cresce, os pais que decrepitam, o casamento que se desgasta, o amor que vai embora, a demissão, as mudanças de rumo…tudo que vivemos está, de alguma forma, atravessado pela impermanência.

E nesse atravessamento, por mais que escutemos o tempo todo por aí o axioma “na vida tudo passa”, somos acometidos por sentimentos de angústia e desamparo. Ou seja, por mais que estejamos advertidos da transitoriedade, sofremos. Mas, paradoxalmente, essa consciência que não nos exime do sofrimento é também a via pela qual somos convidados à experiência da vida em sua inteireza.

Freud, em 1915, no seu texto “Sobre a Transitoriedade”, lembra-nos que a consciência da efemeridade, ou seja, a noção da limitação do tempo, é o que nos faz valorizar a beleza das coisas. O texto, embora tenha um apelo à estética, nos remete a essa que é a angústia máxima da existência humana: a consciência da finitude. Afinal, tudo que acaba, todo “nunca mais”, pertence ao registro da morte.

Tudo que tem um fim, tudo que se vai, inconscientemente, nos remete à irreversibilidade da morte. Porém, aquilo que se foi – pela morte, pelo tempo, pela constante impermanência das coisas – não deixa de ter valor porque acabou, uma vez que pelo trabalho de luto ressignifica-se. “Uma flor que dura apenas uma noite, nem por isso nos parece menos bela”, lembra-nos Freud nesse mesmo texto.

De acordo com o pai da psicanálise, a vida (e tudo que há nela) não deixa de ter valor pelo seu caráter transitório. Ao contrário, é justamente sua efemeridade que lhe atribui raridade. Contraditoriamente, a noção de que tudo passa é o que nos “prende” à vida. É porque as coisas acabam que somos impelidos a desfrutar delas – afinal, elas nunca são, sempre estão.

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