Por Sandro Barros
Em Brasília, como se diz no popular, “a chapa está quente”. Dessa forma está a relação entre o governo federal e o Supremo Tribunal Federal (STF). Com muitas acusações de ambos os lados, a constitucional harmonia entre os Poderes ficou apenas no papel.
O presidente Jair Bolsonaro deu voz à reação do Palácio do Planalto à operação policial, realizada em 27 de maio, contra empresários, políticos e blogueiros ligados ao governo. Ele defendeu os alvos da Polícia Federal, fez uma crítica velada aos ministros Celso de Mello e Alexandre de Moraes, ambos do STF, reclamando de decisão “quase que pessoal”, e disse ter chegado ao limite: “Estou com as armas da democracia na mão”, afirmou, sem especificar ao que se referia.
O governo já havia reagido com um gesto político, ao apresentar de um pedido de habeas corpus para os investigados e o ministro da Educação, Abraham Weintraub. A petição foi assinada pelo ministro da Justiça, André Mendonça. Enquanto isso, no Supremo, o ministro Edson Fachin pediu ao presidente de Corte, Dias Toffoli, para levar ao plenário o pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, de suspensão do inquérito que apura as fake news, origem da operação do dia 27. Fachin também foi sorteado relator do habeas corpus de Weintraub.
Em paralelo, Aras se manifestou contra a apreensão dos celulares de Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, outro foco de tensão na relação entre os Poderes. Em contrapartida, Celso de Mello encaminhou à Procuradoria Geral da República (PGR) ações que acusam ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, de crime de responsabilidade.
Ao que tudo indica, há uma relativa ‘paz’ entre o governo e o Congresso Nacional, em particular a Câmara dos Deputados, desde que Bolsonaro recentemente decidiu se aliar ao Centrão ─ setor mais conservador e parasitário do parlamento. No entanto, quando se trata do Judiciário, a relação segue virulenta.
’Onze togas e um destino: governar o Brasil’
Para muitos, no centro dessa crise entre governo e STF está a disputa pelo espaço nas decisões sobre os rumos do país. Conversamos com Carlos Augusto Aguiar (Carlão) ─ advogado, militante sindical, jornalista e colunista do Diário do Rio ─ para que ele nos falasse um pouco mais sobre essa opinião.
O STF está de fato extrapolando o seu papel?
Acredito que sim! Em nome de combater supostas ilegalidades praticadas pelo Poder Executivo e por manifestações populares, o Supremo vem tomando decisões que não se amparam na Constituição Federal. Proibir manifestações, sejam elas de orientações de esquerda ou de direita, são práticas comuns em um regime militar. Dessa forma, as liberdades democráticas estão ameaçadas.
Isso é o que se chama de ditadura de toga?
Certamente. Chegamos a um ponto onde 11 ministros do Supremo estão governando o Brasil. Estão mandando mais do que o presidente eleito nas urnas, mais que as leis do país. Por eles, não se pode mais fazer protestos em frente à sede do STF, do Congresso, do Senado e chamá-los de corruptos. Antes podíamos e agora não? Não se pode mais chamar um político corrupto de corrupto? Isso é um retrocesso e só está sendo possível porque o Brasil passa por uma grave crise de governabilidade, em que o Poder Judiciário quer substituir o governo.
Porque você afirma que temos esse tipo de ditadura?
Veja bem, durante os anos de chumbo da ditadura militar não se podia fazer nada contra o regime. Mesmo assim haviam manifestações. Toda manifestação popular contra o regime era sufocada com prisões, torturas e assassinatos. Já no período pós-ditadura, por volta de 1977/78, com a abertura política, o povo e a sociedade organizada voltaram às ruas para exigir anistia ampla, geral e irrestrita. Com nossas bandeiras vermelhas (com a estrela, com a foice e o martelo), tomamos as ruas por diretas já, nova Constituinte, fora Collor, fora FHC, cartão vermelho para o STF, fizemos manifestações contra as privatizações, etc. Recentemente, nas inúmeras manifestações violentas praticadas pelos ‘black blocs’, havia uma quebradeira geral. Tivemos também as manifestações que pediam o impedimento da Dilma Rousseff. Entretanto, em nenhuma delas o STF se manifestou. Nenhuma delas foi classificadas como “atentado à democracia ou às instituições democráticas”. Durante o episódio do impedimento da Dilma, o presidente da CUT falou em pegar em armas para defender a ex-presidente. Então, a atitude dos 11 de togas é, no mínimo, uma hipocrisia. Como cidadão, ao longo dos meus 66 anos, estou muito preocupado com os rumos do país. Chegamos ao absurdo de que usar as cores da nossa bandeira está sendo interpretado como um atentado à democracia e às instituições democráticas!
E sobre as denúncias acolhidas contra o atual governo?
Todas devem ser investigadas, sem dúvida alguma. Mas há também, e isso é inegável, uma movimentação do STF em acolher investigações sem base jurídica alguma. Ora, se Bolsonaro e sua família estão envolvidos em casos de corrupção e desmandos todos nós, pessoas honestas, queremos que se passe a limpo. Mas, alerto, em base a fatos reais e não especulações. Por outro lado, o mesmo STF manda soltar vários políticos corruptos já condenados. Não estou defendendo nenhum governante ou ex-governante, mas é um absurdo que a mais alta Corte do país haja com dois pesos e duas medidas.
Qual a consequência disso nesse momento de pandemia?
O resultado é péssimo. Se os Poderes estão em atrito, tudo fica mais fragilizado, inclusive as vidas das pessoas e os seus empregos ─ os institutos de pesquisas apontam cerca de 15 milhões de desempregados em consequência da pandemia. Se as instituições do país não se comportam como deveriam, em harmonia, isso acaba inevitavelmente resvalando na economia, na saúde, na educação, por exemplo. Enquanto o povo está preocupado em se defender da covid-19, em manter seus empregos, em colocar comida na boca de seus filhos, eles estão brigando pelo poder e por interesses pessoais. Realmente não é momento para esse tipo de disputa. Atentado à democracia, no meu entender, é a corrupção em todos os níveis que aprofunda e amplia a miséria e a fome de milhões de brasileiros. Esses corruptos é que devem ser enjaulados e terem seus bens confiscados. Esse é o verdadeiro papel do STF!