Por Claudia Mastrange
Nascida em uma família repleta de talentos, Maria Lupicinia Viana de Paula Gigliotti não tinha mesmo como seguir outro caminho. Sobrinha de Chico Anysyo e Zelito Vianna, filha de LupeGiliotti, ela flertou com a carreira de atriz, mas confessa que sempre sonhou mesmo é em ser diretora. E chegou lá! Cininha de Paula dirigiu produções, como o musical ‘Não Fuja da Raia’, novelas e minisséries para a Rede Globo nos anos 1970 e 1980, como ‘Cobras & Lagartos’, ‘Gente Inocente’, ‘Sitio do Picapau Amarelo’ e, atualmente, assina a direção da hilária ‘Escolinha do Professor Raymundo’. Encerrou contrato com a Globo após 32 anos na casa, mas segue na maior atividade, à frente da escola CN, cujos alunos/atores estão em cartaz atualmente com a peça ‘Achados e Perdidos’, no Teatro Nathália Timberg, na Barra. “Sou boa de trabalhar”, conta em entrevista ao Diário do Rio, fazendo uma análise do mercado de trabalho no Brasil, onde a cultura tem sido frequentemente tratada como algo menor e aprisionável. Confira o papo com Cininha!
A peça ‘Achados e perdidos’ mostra uma nova e talentosa geração de atores chegando. É um orgulho para você ver seus alunos em cena?
É muito bom sim. A peça leva para o palco um grupo de 30 alunos que, na montagem, podem apresentar seu trabalho. E, por estar em uma produção já em cartaz, ganham também visibilidade. Essa geração precisa ter noção do passo a passo da profissão, suas conquistas, mas também suas lutas. Ver que não e só glamour. É um ofício que exige, além da vocação, muita determinação.
Que mudanças observa nessa nova geração de atores?
Bacana ver que essa geração já não tá tão linkada com a TV como antes. Porque antes era o sinônimo máximo de sucesso estar na telinha. Hoje, com as novas mídias e formatos, com o alcance das redes sociais, o foco se amplia. Antigamente a TV era também babá eletrônica. As mães precisavam trabalhar e as crianças ficavam na companhia da TV. Hoje elas buscam o conteúdo que lhe interessar mais no You Tube ou no IGTv. E o ator atualmente precisa levar em conta essa realidade, de tantas plataformas. Antes era preciso fazer sucesso em uma novela para ter maior divulgação de seu trabalho. Hoje é possível usar essas ferramentas para mandar a mensagem que você quer, direcionando, alcançando determinado nicho ou um público mais amplo. Investir em conteúdos específicos e exclusivos. Isso amplia o leque também, cria mais possibilidades porque cada um vai procurar e consumir o que mais lhe agrada, o que mais tem a ver com sua realidade e seu gosto. Aí tem espaço para todo mundo.
Lidando com esses jovens, você ensina, mas certamente também aprende muito, né?
Olha, gosto muito de me atualizar. Nunca parei de aprender. Então, nessa relação com os jovens não é diferente. É via de mão dupla sempre. Claro que passo toda minha experiência para eles, a gente vai construindo… E, nessa relação, também consigo me ‘rejuvenizar’. Essa turma que está aí tem muito a oferecer. O curso funciona de segunda a sábado, de 14 às 22 horas, dando opções para atender às mais diversas agendas e também respeitando sempre o horário escolar. Em São Paulo fica no Jardins e, no Rio, na Barra da Tijuca.
Como é estar à frente desse sucesso de tantos anos que é a Escolinha?
Como bem dizia meu tio Chico Anysio, “a Escolinha é eterna”. Ele era um grande mestre, é uma inspiração também eterna. E o programa tem um formato que não acaba nunca. Sinto um prazer imenso de participar de um projeto que atravessa gerações. Comecei lá, na primeira versão, como assistente de direção do Francisco Milani. Fiquei oito anos, sai para fazer outras coisas nesse tempo e agora estou de volta. E o interessante é que, a princípio, essa nova versão teria apenas sete episódios. E agora está na quinta temporada!
Como foi viver a Dona Escolástica, personagem da tua mãe fez por cinco anos, nesta quinta temporada?
Foi um grande presente, uma sugestão do Marcius Melhem. Ele disse que a nova Escolástica tinha que ser eu, ate pela semelhança com minha mãe [Lupe Gigliotti, falecida em 2010], que não aceitava outra pessoa. Tanto que até botou o bonequinho dela na abertura. E quando pus o figurino, a sensação foi muito estranha. Nem quis me olhar no espelho. Foi uma comoção no estúdio. Eu não sabia que minha mãe era tão querida. Na hora de entrar em cena houve um pique de luz e o [Marcos] Caruso chegou a comentar que foi como uma ‘aparição’, parecia reencarnação. E talvez ela estivesse lá mesmo. Fabiana Karla ficou aos prantos. Agora entendo a sensação de Bruno [Mazzeo, que interpreta o Professor Raimundo] tem ao viver o mesmo personagem que o pai.
E a que credita esse sucesso, que atravessa os anos e cativa tantas gerações?
Creio que é porque simplesmente o humor não envelhece. Então acredito que não pode sair do ar. Em tempos de politicamente correto, de tantas versões para inúmeras questões, só uma diferenciação é realmente fundamental para que o humor não cumpra a sua função: não ser engraçado. E vai muito mais além quando está linkado com a atualidade. Nesses tempos atuais, o humor é a palavra que a gente tem para protestar, para se posicionar diante de tudo. É uma saída para uma sátira da política, da situação da cultura…
E você vê saída para os projetos cultura e a luta pelo incentivo e valorização da arte no atual panorama político-econômico e social?
Sinceramente? Ainda não sei. A gente ainda está buscando um formato, Eu busquei via teatro, nos projetos com o qual vamos preenchendo lacunas e buscando oportunidades. Os alunos buscam formas de investimento financeiro, eu busco também, unimos forças e montamos um espetáculo. E essa é a engrenagem natural para quem vai encarar os desafios profissionais atualmente. Com a peça montada, as crianças exercitam o que aprenderam, ganham visibilidade e dão os primeiros passos para se inserir no mercado de trabalho. É a forma que eu achei pra enfrentar a crise e tudo o mais que está estabelecido. Temos que buscar caminhos.
Como foi deixar a Rede Globo após mais de três décadas na casa?
A saída da Globo foi em comum acordo, está tudo bem. Foram 32 anos, é muito tempo. Temos que ir para a vida, dar espaço para os mais jovens. Continuo dirigindo a Escolinha, posso fazer outros trabalhos, ser contratado por obra. Ganhamos todos, tenho mais disponibilidade. Consigo viajar mais com o curso. Tem muita coisa acontecendo no mercado. Sou boa de trabalhar, pode ser teatro, cinema, os novos formatos. Para o ano que vem já tenho alguns projetos, mas não posso contar! Só posso adiantar: tem a ver com cinema e streaming.
Antes da Dona Escolástica há tempos você não trabalhava como atriz. Não sente falta? Ser diretora é o seu maior prazer?
Até trabalhei como atriz em algumas produções, mas minha opção sempre foi a direção. Era esse o meu grande desejo. Não é muito comum, né? Geralmente o grande sonho da maioria que inicia a carreira é brilhar como atriz. Não era o meu caso. Para mim, ser atriz foi apenas um caminho para chegar onde eu, de verdade, sempre quis chegar. E cheguei.
Foto: Renato Rocha Miranda/TV Globo