Com 112,7 milhões de brasileiros autodeclarados pretos e pardos (55,2% da população) e mais de 1,6 milhão de indígenas, o Brasil levou séculos para ver essa diversidade representada nas universidades públicas. Mas, nas últimas duas décadas, as políticas de ação afirmativa mudaram esse cenário, democratizando o acesso ao ensino superior.
É esse processo que o livro Impacto das Cotas: duas décadas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro analisa. Organizada pelos sociólogos Luiz Augusto Campos e Márcia Lima, a obra reúne 35 artigos que traçam um panorama histórico e político das cotas raciais e sociais no país, com dados que revelam como elas modificaram o perfil discente das instituições públicas.
De 2001 a 2021, a proporção de estudantes negros e indígenas nas universidades públicas saltou de 31,5% para 52,4%. A presença de alunos das classes D e E também cresceu: era de 20% e chegou a 52%. A promulgação da Lei 12.711, em 2012, que destinou 50% das vagas em instituições federais a estudantes da rede pública com base em critérios étnico-raciais e socioeconômicos, foi o principal marco legal. A lei foi atualizada em 2023 para reforçar medidas de permanência, como bolsas, auxílio moradia e alimentação.
A publicação também detalha os casos pioneiros da Uerj, UnB, UFBA, Unicamp, UFMG e UFSC, que ajudaram a consolidar o modelo. O impacto da diversidade também foi sentido nas salas de aula: temas antes ignorados entraram na pauta, novas referências bibliográficas foram adotadas, e práticas pedagógicas começaram a ser revistas.
A professora Nilma Lino Gomes, primeira mulher negra a dirigir uma universidade pública no Brasil, destaca no prefácio que as cotas “provocaram mudanças nas práticas pedagógicas e curriculares, desestabilizando estruturas excludentes no sistema educacional”.
Ao contrário do que alegavam os críticos, estudos apontam que cotistas têm desempenho semelhante ao dos não cotistas e taxas de evasão parecidas.
“As cotas já remodelaram o debate sobre raça no Brasil. Hoje, o racismo é pauta de políticas públicas, pesquisas e debates acadêmicos”, afirma Luiz Augusto Campos.
O desafio agora é garantir a permanência desses estudantes diante de orçamentos apertados e do racismo ainda presente no mercado de trabalho. Mais do que abrir portas, a política precisa garantir que os novos ocupantes desses espaços permaneçam e prosperem.