Por Sandro Barros
Quando se fala em água na cidade do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, a população fica estarrecida. E não é por menos. Primeiro a água estava suja. Depois com detergente e até gordurosa. Os moradores do Rio de Janeiro sofrem com essa tosca realidade, vendo uma água de péssima qualidade sair de suas torneiras, no mais recente problema ambiental do país. E tudo isso vem acompanhado, e com razão, de preocupação e revolta.
Há mais de um mês começaram as queixas generalizadas denunciando a qualidade da água, que apresentava cor marrom e odor. A Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), que gerencia a água no estado, declarou que a sua qualidade foi afetada pela presença da geosmina, uma substância química gerada por algas. Desde que o fato foi anunciado, a Cedae demitiu o diretor de Guandu — sua principal estação de tratamento — e, mais recentemente, o próprio presidente da empresa foi demitido.
A Cedae chegou a afirmar em janeiro que usou carvão ativado para retirar a geosmina e informou aos moradores afetados que era seguro beber essa água. Entretanto, no dia 3 de fevereiro ela fez outro anúncio: a água do seu principal reservatório registrou altos níveis de detergente — até o momento de origem desconhecida —, obrigando as autoridades a suspender o abastecimento à população. Esse é mais um das trapalhadas da Cedae e do próprio governo diante dessa crise.
A estação do Guandu é responsável por distribuir água para nove milhões de pessoas e essa suspensão do abastecimento por 14 horas afetou uma importante parcela da população, ainda mais por se tratar de uma época de muito calor. A falta de água potável obrigou as autoridades a adiarem o início do período escolar por um dia em mais de 1.500 escolas públicas, além de colocar em dúvida se será possível curtir o carnaval em meio a uma crise hídrica.
Segundo dados divulgados à imprensa, os problemas na qualidade da água atingem mais de 70 bairros da capital fluminense e diversos municípios da região metropolitana. À medida que o desespero cresce na população, fornecedores de água engarrafada atendem uma demanda absurda. Desde o início da crise até agora, as entregas de água potável quadruplicaram. Muitos supermercados ficam desabastecidos ou optam por limitar a compra por cliente.
Em meio ao caos, diversos comerciantes se aproveitam da capitalista “lei da oferta e da procura” e estão faturando alto, até mesmo triplicando os preços: uma garrafa de água mineral de 1,5 litro chega a custar R$ 6. Até mesmo nas favelas, onde a população possui menor renda, a compra de água mineral se tornou comum. E, para fiar pior, a água engarrafada está em falta em diversos locais.
Apesar disso tudo, o governador do Rio, Wilson Witzel, negou minimizar os danos financeiros dos consumidores através de um desconto da conta de água. No entanto, a Defensoria Pública (DPRJ) e o Ministério Público do Estado (MPRJ) se reuniram, em 31 de janeiro, com a direção da Cedae e esta sinalizou naquele momento a dessa forma de indenização aos moradores prejudicados com a má qualidade da água. Só que essa indenização até agora não foi formalizada e os consumidores seguem tendo enormes prejuízos.
Privatização na mira
O governador do Rio, Wilson Witzel, é acusado de tentar ‘desmontar’ a Cedae como forma de minar o prestígio da companhia e reforçar a necessidade de privatizá-la. Conforme informamos na edição anterior do Diário do Rio, a empresa foi colocada como garantia do empréstimo de R$ 2,9 bilhões ao estado junto ao Banco BNP Paripas, onde o governo terá que pagar R$ 3,9 bilhões no final desse ano. Detalhe importante: somente o patrimônio líquido da Cedae ultrapassa os R$ 7 bilhões.
A desmoralização da empresa junto à população, com o atual serviço de baixíssima qualidade, faz todo sentido: está em andamento uma estratégia a serviço da entrega do patrimônio público ao setor privado sem grandes questionamentos, consumindo-se assim uma verdadeira ‘doação’. Para muitos, o que vivenciamos nesse momento poderia até mesmo ser intencional.
Deixando possíveis teorias da conspiração à parte, certo é que a crise hídrica segue, cercada por ditos e não ditos das autoridades. Enquanto isso, os moradores afetados continuam repletos de incertezas que, ao que tudo indica, não têm prazo para terminar.
Fotos: Fotos Públicas