“Só sei que nada sei.” é uma declaração atribuída ao filósofo grego Sócrates e, apesar de ser um pensamento de antes de Cristo, vai ao encontro do que penso em relação ao estudo da Língua Portuguesa: infinito, instigante, essencial, desafiador, apaixonante. Afinal, como saber tudo quando o tema é a Língua Portuguesa? Declaro isso, já que, em uma aula de pós ministrada pelo renomado professor Evanildo Bechara, tive meu primeiro contato com uma nomenclatura que me era desconhecida: posvérbio, termo que consta de seu livro Lições de Português pela Análise Sintática.
Diante disso, tenho a certeza de que você, caro(a) leitor(a), deve estar curioso(a) para ter a explicação do que seja o tal termo. Ei-la: posvérbio é o termo dado pelo filólogo Antenor Nascentes à preposição que, posta depois de certos verbos transitivos diretos, mais serve para a estes acrescentar um novo matiz de significação do que reger o complemento desses verbos. Ou seja, é a colocação de uma preposição não exigida pela regência verbal, servindo apenas à semântica. Que útil tal conhecimento! Sabedora disso, pus-me a criar o seguinte exemplo: “Ao povo prejudica a crise brasileira.”, em que a colocação da preposição A proíbe qualquer leitor(a) de inferir que “o povo” seja o agente de tamanhos prejuízos ao Brasil. Santa Preposição!
Fazendo buscas desse emprego, achei este trecho do conto machadiano intitulado Um apólogo: “Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha,…”. Relevante é o uso da preposição de com os artigos o e a após o verbo “pegou”, que por ser transitivo direto, exigiria seus complementos substituídos pelos pronomes oblíquos átonos o/a/a, respectivamente. Logo, o uso dessa preposição como posvérbio é justificado pelo desejo de Machado de Assis, metaforicamente, levar os leitores a refletirem que, por vezes, os trabalhadores fazem o trabalho braçal; enquanto seus patrões tiram proveito disso.
Proveitoso é também veicular que a utilização da preposição como posvérbio ocorre também em Inglês. Basta analisarmos a variação semântica sofrida pelo verbo “to look”, que significa ver, e “to look for”, que significa “procurar, ir em busca de”.
Outrossim, há o fragmento da letra da música “Cálice”, escrita em 1973, por Chico Buarque e Gilberto Gil: “Como beber dessa bebida amarga [..]”. Nele o verbo “beber”, que sintaticamente exige um complemento sem preposição, está acompanhado da preposição “de” contraída ao pronome “essa”. Podemos, pois, depreender que a inclusão dessa preposição é uma seleção semântica cujo motivo traz péssimas recordações…
Há, entretanto, casos em que o emprego da preposição é obrigatório, como no trecho, presente no Canto V do livro Os Lusíadas de Camões. Ei-lo: “Nem ele entende a nós, nem nós a ele” Nesse fragmento, a preposição “a” que não é exigida pela regência do verbo “entende” é usada para não gerar dúvidas sobre os termos que são sujeitos das orações. Com isso, o aparecimento de uma preposição pós-verbal pode ter diferentes análises e motivações, sendo gerada por questões sintáticas ou, meramente, semânticas. Creio que, diante de todos os casos apresentados, eu tenha conseguido cumprir com o meu dever, que é de ampliar o conhecimento de todos; usando, para isso, a preposição com, não exigida pelo verbo cumprir. Esse posvérbio da preposição tem um caráter semântico, visto que reforça o papel relevante que dou à produção desta crônica linguística.