Eu estava à espera de uma médica que faria em mim várias ultrassonografias. Até aí, era apenas um momento rotineiro para quem preza pela saúde. Eis que surge uma simpaticíssima médica que me cumprimentou cordialmente. Chamava-se Ellyete. Entre um exame e outro, iniciei com a doutora, um despretensioso diálogo que nos levou a comentarmos acerca de questões linguísticas a partir do momento em que essa profissional soube que sou amante de nossa Última Flor do Lácio. Obviamente o nome do grande linguista e gramático Evanildo Bechara ecoou na sala onde as ultrassonografias perderam espaço para o amor que eu e a Dra. Ellyete nutrimos pela língua portuguesa.
O que era para ser só mais um exame passou a ser um prazeroso momento de troca e de demonstração que, independentemente da profissão, há pessoas que se interessam por assuntos de nossa língua materna. Que alegria senti! Aproveitando a inusitada situação, a profissional de saúde expôs-me sua dúvida que residia no fato de que lhe soavam estranhas certas produções. O problema era o sujeito, termo cuja presença nem sempre é garantida; mas que, quando presente, exige obediência a uma regra crucial: não estar contraído à preposição alguma. Sei que estou aguçando a curiosidade de vocês, meus caros leitores! Para acabar com isso, elaborei estes exemplos, dados à “aluna” Ellyete.
O primeiro tratou-se de uma construção que ouço por vezes. Ei-la: “O fato do agressor ser menor de idade é preocupante”. Para esse período, há uma segunda versão. Observem-na: “O fato dele ser menor de idade é preocupante”. Há também estas: “O motivo da aluna faltar é preocupante”. Ou “O motivo dela faltar é preocupante”. Analisando as quatro construções, é incontestável que os termos “agressor” e “aluna” exercem função de núcleo do sujeito, concordando com os verbos “ser” e “faltar”.
Se todos entenderem essa análise, chegamos ao xis da questão! Como podem aqueles sujeitos estarem contraídos à preposição “de”, se é sabido que um termo que funciona como sujeito é impedido de estar preposicionado? Não há o que fazer a não ser reescrever os períodos de forma a retirar a equivocada contração entre a preposição e o sujeito (“o agressor” e “a aluna”). Temos estas reescrituras, pois: O fato de o agressor ser menor de idade […]. O fato de ele ser menor de idade […]; O motivo de a aluna faltar […]; O motivo de ela faltar […]. Feitas as retificações, a dúvida foi extinta, e uma amizade foi iniciada entre mim e a agora amiga Ellyete.
E não há mais por que dizer “O fato deu faltar sem avisar não é motivo para tanta confusão!”, visto que o que eram dois termos (preposição “de” e pronome reto “eu”) se transformou em um só (o verbo “deu”)! Que loucura! Bastaria dizer “O fato de eu faltar sem avisar não é motivo para tanta confusão!” E, assim, os exames findaram com gostinho de quero mais!