Na última sexta-feira, dia 12 de setembro, tive o imenso privilégio de assistir à posse do acadêmico Paulo Henriques Britto, cuja extensa e rica obra – , seja por suas traduções consagradas, seja por seus poemas, que bebem na fonte do poeta português Fernando Pessoa, o mais lido por Britto, – é impecável. Na prosa, Paulo declara sua grande paixão por Kafka. Não é difícil inferir a gama de conhecimento e de inspiração desse mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras. Neste texto, feito em homenagem a Paulo Henriques Britto, selecionei um poema seu, que recebe o mesmo nome do livro “Nenhum mistério”, lançado em 2018, pela Companhia das Letras. Desses versos colhidos por mim, encantei-me pelo emprego da vírgula, uma paixão minha. Eis o poema:
“Dentro da noite por fim construída
há tempo para tudo, e muito espaço.
Longas janelas. Cortinas corridas.
Nos armários vazios, grandes chumaços
de algodão a preencher cada centímetro
cúbico de cada compartimento
e gaveta. Na parede, um termômetro
no qual ninguém dá corda há muito tempo.
Nas prateleiras, livros entulhados
de palavras que escorrem devagar,
formando umas poças ralas no chão.
É uma espécie de véspera. Calados,
os cômodos esperam o raiar
de alguma coisa como um dia. Ou não.”
[de “Nenhum mistério” (Nenhum mistério, 2018)]
Desses versos, ater-me-ei aos que apresentam um adjunto adverbial de lugar, formado pelas seguintes locuções adverbiais “Nos armários vazios / Na parede/ Nas prateleiras”. A beleza dessas construções levou-me a fazer esta crônica linguística, já que o uso da vírgula acumula duas justificativas. Não é magnífico essa produção de Henriques Britto? Machado de Assis, um nome de peso e de inspiração ao neoacadêmico certamente o elogiaria conforme, neste momento, eu o faço. Mas vamos às razões para isso! Já foi por mim dito em crônicas anteriores que, ao iniciarmos um período por um adjunto adverbial formado por mais de uma palavra, necessário é que seja posta, em nosso texto escrito, uma vírgula, a fim de sinalizar a antecipação desse adjunto adverbial para o início ou para o meio da oração. Britto, não satisfeito em demarcar esse deslocamento, com maestria, fez com que essa vírgula também sinalizasse a ausência do verbo “há”, “existe” ou “tem”, a depender da variedade escolhida pelos leitores, a qual pode ser a norma-padrão ou a variedade informal.
Aos meus alunos, para explicar essa dupla função da vírgula, apresentaria este período simples: Na sala, muitos livros. A partir da análise dela, a vírgula é justificada por ser concomitantemente a sinalização de que o adjunto adverbial de lugar (Na sala) está iniciando a oração, mas também a demarcação da elipse (apagamento) do verbo “há / existe / tem”.
Sendo assim, nítido está que, embora Paulo Henriques Britto seja um exímio tradutor, ele é um excelente usuário da língua portuguesa e de toda a sua potência. Por tudo isso, saudemos a singularidade e a genialidade de Britto, que só tem a abrilhantar a ABL.