Ela veste toga, mas esconde hematomas. Julga com firmeza, mas teme o julgamento social. Proclama sentenças com autoridade, mas, em casa, é calada pelo medo. A juíza que sofre violência doméstica revela um paradoxo cruel: a mulher que representa a justiça muitas vezes não encontra justiça para si mesma.
No imaginário coletivo, uma magistrada é inatingível, protegida por seu status. No entanto, por trás das decisões e da firmeza institucional, há histórias de dor, isolamento e silêncio. Muitas juízas, promotoras, defensoras e servidoras do Judiciário sofrem abusos de companheiros — muitos deles também operadores do Direito. O medo não é apenas da violência física, mas da humilhação pública, da perda de credibilidade, da revitimização institucional.
O sistema judiciário, que deveria ser referência na defesa dos direitos das mulheres, muitas vezes se torna omisso quando a vítima é uma das suas. O medo de se expor, de ser vista como fraca ou de comprometer a carreira impede muitas de romper o silêncio. A toga, símbolo de poder, torna-se prisão. Não por sua essência, mas porque o machismo que perpassa todas as estruturas sociais também está presente nas cortes.
As instituições do Direito precisam se olhar no espelho. É urgente criar mecanismos internos de acolhimento, escuta qualificada e proteção para servidoras que sofrem violência doméstica. Precisamos romper com a ideia de que o conhecimento jurídico imuniza contra a dor. A violência não escolhe escolaridade, cargo ou salário. Ela se infiltra onde o machismo encontra brechas.
Romper o silêncio é, antes de tudo, um ato de coragem. E a coragem precisa ser amparada. Toda mulher, togada ou não, tem direito à dignidade, ao acolhimento e à segurança. A toga não pode mais sangrar.
“A toga não pode servir de manto para esconder hematomas.”