A violência contra a mulher não se limita a marcas visíveis. Muito antes de um feminicídio, há sinais silenciosos: controle, intimidação, isolamento social, chantagens emocionais e ameaças veladas. Essa “violência invisível” é o terreno fértil onde germina o crime extremo.
Antes do primeiro tapa, o silêncio da alma já pede socorro. A violência contra a mulher não começa com hematomas ou ossos quebrados. Muitas vezes, ela se anuncia em palavras cortantes, humilhações silenciosas e no controle sufocante que mina a autoestima. É a chamada violência psicológica , difícil de ser reconhecida, provada e combatida, mas tão devastadora quanto a agressão física.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi um marco no enfrentamento da violência doméstica no Brasil. Ela ampliou a compreensão do fenômeno, reconhecendo diferentes formas de violência contra a mulher. O artigo 7º, inciso II, conceitua a violência psicológica como qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima ou que vise controlar ações, crenças e decisões da mulher.
Esse tipo de violência se manifesta de formas sutis, mas de grande impacto: insultos e humilhações constantes, chantagens, ameaças diretas ou veladas, isolamento social, controle sobre roupas e decisões pessoais, além do silêncio punitivo. As consequências vão do medo e insegurança à depressão, ansiedade e até o suicídio.
Pesquisas indicam que a agressão emocional frequentemente antecede o ataque físico, compondo um ciclo vicioso de tensão, explosão, reconciliação e calmaria. Isso aprisiona a vítima entre medo e expectativa de mudança. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram concedidas 540.255 medidas protetivas de urgência em 2023, um crescimento de 27% em relação a 2022, com 81% de aprovação nas solicitações. Esses números revelam a dimensão do problema e a urgência de respostas mais efetivas.
Casos emblemáticos reforçam esse cenário. O da advogada Tatiane Spitzner, amplamente noticiado pelo G1 e pela BBC Brasil, mostrou um histórico de controle e intimidação antes da tragédia. A juíza Viviane Amaral, assassinada em 2020, foi alvo de anos de perseguição psicológica e ameaças, mesmo após diversas denúncias. Mais recentemente, em fevereiro de 2025, o G1 MS noticiou o caso de Vanessa Ricarte, de 42 anos, morta em Campo Grande (MS) pelo ex-noivo, mesmo após denunciar cárcere privado e pedir medida protetiva. Todos esses episódios evidenciam que a violência invisível prepara o terreno para o feminicídio.
A violência psicológica mata antes de matar de fato. O silêncio é sua maior arma; o reconhecimento, sua maior fraqueza. Até que aprendamos a enxergar a dor que não deixa marcas na pele, continuaremos a enterrar mulheres que gritaram em silêncio.
O desafio é reconhecer a violência psicológica, já que muitas mulheres não percebem os abusos, famílias naturalizam comportamentos e o sistema judicial exige provas materiais. Para enfrentar essa realidade, Estado e sociedade precisam atuar juntos, capacitando profissionais, oferecendo apoio psicológico e jurídico, e desconstruindo mitos como “ciúme é prova de amor”.





