A principal proposta econômica do candidato Javier Milei, favorito para a eleição presidencial da Argentina, é a dolarização da economia. Com eleições marcadas para 22 de outubro e um possível segundo turno em 19 de novembro, o tema tem dividido opiniões e causa muitas dúvidas e polêmicas.
Segundo o coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Ahmed El Khatib, o plano para dissolver o banco central da Argentina, eliminar o peso e adotar o dólar americano como moeda legal para resolver o problema da inflação é “absurda”. A taxa de inflação da Argentina, por exemplo, foi em média 189,99% desde 1944 até este ano, atingindo um máximo histórico de 20.262% em março de 1990.
“A ideia do candidato e dos seus economistas é de o povo argentino têm mais de 200 mil milhões de dólares em poupanças e outros depósitos no estrangeiro e noutros lugares. Quando esse dinheiro entrar em circulação, por exemplo, para pagar impostos, o Tesouro do país teria automaticamente moeda disponível para avançar com o processo, sem a necessidade de reservas no banco central nem um empréstimo internacional multibilionário para fazer avançar o novo sistema”.
Se o plano der certo, em 16 meses todos os pesos seriam trocados por dólares. Seria um processo gradual, como aconteceu no Equador, que durou nove meses. Os depósitos bancários e os empréstimos também seriam convertidos em moeda estrangeira ao mesmo tempo.
Segundo o professor da FECAP, vale destacar que o banco central da Argentina não tem praticamente nenhum dólar nos seus cofres neste momento. Uma tentativa anterior falhou há 24 anos, quando o plano de dolarização do presidente Carlos Menem não avançou porque uma crise económica e uma corrida ao peso causaram o colapso de um conselho monetário.
Além disso, a Argentina já tem dificuldades de pagar ao Fundo Monetário Internacional (FMI) um empréstimo de 57 mil milhões de dólares acordado em 2018 e renegociado em 2022, tornando altamente improvável um novo pacote de ajuda para apoiar a dolarização. E, em última análise, a dolarização não resolverá por si só os principais desequilíbrios fiscais que levaram a Argentina a incumprir a sua dívida nove vezes, incluindo três nas últimas duas décadas.
A proposta de dolarização de Milei ganhou força na Argentina devido à esmagadora procura de estabilidade macroeconômica, após mais de uma década de inflação de dois dígitos e de feridas políticas auto infligidas. A inflação anual da Argentina arrefeceu para 113,4% em julho de 2023, contra 115% em junho. Este foi o nível mais elevado desde 1991. De acordo com algumas projeções, a taxa de câmbio deverá descer mais 70% nos próximos meses.
“Acredito que a dolarização não é viável no curto prazo. A Argentina não tem dólares para dolarizar e não tem acesso ao mercado financeiro para obter dólares. Essa proposta de dolarização só causaria a injeção de mais títulos argentinos nas mãos do setor privado internacional, direta ou indiretamente, reduzindo assim ainda mais o valor dos títulos argentinos. Mesmo que a dolarização de uma economia de mais de 600 bilhões dólares pudesse ajudar rapidamente a reduzir a inflação, trata-se de um processo altamente dispendioso”, acrescenta El Khatib.
Ainda segundo o docente, a dolarização poderia ajudar a estabilizar a economia devido à sua natureza rígida de âncora. Mas durante uma crise global, a dolarização poderia tornar extremamente difícil a absorção de choques. A âncora rígida não permitiria a adaptação a moedas flexíveis quando ocorrem paradas repentinas e há mudanças de políticas monetárias nos EUA, por exemplo.
“Os custos de entrada da dolarização levariam a um endividamento maciço para trocar o stock de obrigações do banco central detidas pelos bancos comerciais do país. Uma economia dolarizada não terá flexibilidade para se ajustar aos choques, especialmente numa economia mundial mais interligada, com taxas de câmbio flutuantes generalizadas sob regimes de metas de inflação. Além disso, a assimetria com o ciclo económico dos EUA poderia levar a uma política pro-cíclica. Em contraste, os desequilíbrios macroeconômicos e políticos que cria permanecem, dada a opção de evitar a disciplina fiscal, esgotando todas as fontes de financiamento possíveis, incluindo vendas de ativos e fundos de pensões”, exemplifica.
O plano de dolarização de Milei também pode significar aumentos nos preços finais, que serão sentidos nos bolsos dos argentinos. As universidades públicas não seriam mais gratuitas, a passagem de trem custaria 2.000 pesos e a passagem de ônibus custaria 800 pesos; tarifas significativamente mais altas do que as que os argentinos pagam atualmente: a tarifa mínima da Argentina é de 25 pesos para trens e 52 pesos para ônibus na região metropolitana de Buenos Aires.
“O argumento de que o regime forçaria os decisores políticos a tornar a economia mais flexível através do mercado de trabalho e de outras reformas, ao mesmo tempo que se tornaria fiscalmente austero, simplesmente não foi corroborado. A dolarização tornou os países vulneráveis a choques externos e numa trajetória de baixo crescimento num contexto de sobrevalorização sustentada da taxa de câmbio real”, pondera.
Ahmed finaliza apontando que a Argentina poderia encontrar inspiração no Equador, Panamá e El Salvador, três nações que adotaram a dolarização com resultados mistos, mas que abandonaram um passado de inflação elevada para um sistema monetário mais estável. Esses países tiveram os níveis de inflação mais baixos da região nos últimos 20 anos.