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Entrevista com Lisete Bertotto: “Importante lembrar que este é um alerta aos meninos para que quando se tornarem pais sejam pessoas presentes. E que a figura paterna não é dispensável.”

A escritora gaúcha Lisete Bertotto, lança sua mais nova obra no Rio de Janeiro. “Guardiãs do Arco-Íris” aborda de maneira lúdica a ausência da figura paterna na família. O lançamento acontece no próximo domingo, 22 de maio em Niterói.

Antes do evento, a escritora separou um tempo para falar um pouco mais sobre sua obra mais atual, projetos futuros e o porquê de lançar o livro no Rio de Janeiro.

Jornal DR1: Como surgiu a ideia de escrever de forma lúdica um tema tão “pesado”, como a ausência de uma figura paterna?

Lisete Bertotto: Nos anos 90 eu fazia parte de um grupo teatral chamado Agenda, escrevia e algumas vezes até dirigia as peças. Tive contato com um número grande de educadoras e elas me traziam a demanda da ausência da figura paterna e como era difícil, principalmente para os meninos entenderem que o pai não os queria. Assim foi nascendo a ideia de trabalhar com essa temática tão delicada.  Seria um desafio e numa manhã eu saía apressada para trabalhar e ao sair de casa enxerguei o arco-íris, a beleza das cores, a perfeição da perfeição. Comecei a imaginar uma família  a gerir a apresentação do arco-íris bem como vários seres mitológicos a ajudar para a apresentação do arco-íris. No livro está mais explicito o papel dos Duendes na história. A Senhora de Todos os Tempos foi baseada na personalidade de minha mãe: uma mulher forte, dinâmica, que praticava a compostagem desde sua infância. Com ela não tinha tempo ruim ou justificativa para não agir. Ela sempre dizia aos filhos: Deus disse te ajude que eu te ajudarei. Essa visão do auto-estorço para conseguir a realização de nossos desejos me impactou profundamente. As Guardiãs do Arco-Íris ou Mamaíria como era chamada a montagem teatral mostra a força feminina personificada em Mamaíria. Importante lembrar que este é um alerta aos meninos para que quando se tornarem pais sejam pessoas presentes. E que a figura paterna não é dispensável. Tenho uma lembrança clara da vez que nos apresentamos numa escola da zona norte de Porto Alegre, os pais tinham sido convidados e era nítido o desconforto dos mesmos com a temática da peça. Um deles chegou a conversar comigo, ele era uma pessoa simples e estava com lágrimas nos olhos. Agradeceu-me por ter escrito a peça. Acho que ele perguntou a diretora, não sei direito, mas ele sabia que eu era a autora da peça. Ele se tornou para mim Arcão, o pai ausente da família do arco-íris.  Nunca vou esquecer suas palavras: eu não sabia que era tão importante assim estar dentro de casa. Só por essa pessoa já valeu a pena ter feito tanto Mamaíria como Guardiãs do Arco-Íris. Há pessoas más que gostam de enganar os outros, tive um companheiro que era o próprio Vilão Bofetão, sempre iludindo e enganando. Minha irmã quando viu Mamairia percebeu na hora quem era o vilão que eu havia me baseado.

Escrevi Mamairia quando já tinha uma experiência de mais de 10 anos em escrever roteiros teatrais, já sabia o que funcionava ou não para crianças. Então junto ao texto veio mais mensagens sublimares para os adultos entenderem. Contei com o talento dos atores que me ajudaram a tornar lúdico a dureza do abandono. E assim, Mamaíria foi crescendo e na terceira montagem estava forte e pronta para dialogar com crianças de todas as idades.

Jornal DR1: Além da ausência do pai, você também trabalhou o bullying dessa mesma forma, qual dos dois te trouxe mais desafio?

Lisete Bertotto: Apesar de não falar especificamente de bullying, trabalho com o preconceito como linha narrativa o tempo todo.  Meu livro anterior fala de uma Ovelhinha rejeitada pelo rebanho apenas por causa do seu nome, como eu era mais jovem e naquele momento envolvida com a criação de filhos pequenos foi mais tranquilo escrever o roteiro teatral. Até porque o preconceito contra o que for desviante do “padrão” de normalidade é forte.  A Ovelhinha Fedorenta foi baseada num caso real onde uma menina de 7 anos dá adeus a sua mascote querida para ela ser feliz no campo. Livre e correndo. A mãe de Aline, uma artista plástica e visual fez os desenhos para a Fedorenta. Há vários contadores de história contando a Fedorenta em vários estados do Brasil. Inclusive uma professora de Resende no RJ usa a Fedorenta com suas alunas na disciplina de contação de histórias.

Jornal DR1: Guardiãs do arco-íris é baseado em uma peça de sua autoria. Com o passar do tempo, tem se tornado recorrente a abordagem desses assuntos mais “sensíveis”, você já tem alguma ideia/projeto para o próximo trabalho?

Lisete Bertotto: Já presenciei cenas de absurdos preconceitos por absolutamente nada.  Como de um homem de cerca de 50 anos que ficou visivelmente ofendido pela presença de uma senhora, de cerca de 80 anos num bar dançante. Ele não se conformou com a presença dela ali, depois de reclamar com o garçom, o gerente e acredito que iria se queixar ao Papa se pudesse e foi embora esbravejando. Em quê a presença daquela senhora incomodou tanto o homem só pode ser explicada pelo preconceito. Esse sentimento é insano, suja e corrói as relações entre as pessoas; coloca um véu entre o a realidade e o que é filtrado por sua mente. Nas Guardiãs do Arco-Íris o trabalho de transformar Mamaíria nas Guardiãs do Arco-íris foi um pouco mais complicado. Evandro Rhoden, editor da Kazuá, meu parceiro de jornada intelectual, irmão camarada, me ajudou a superar certas incompletudes da obra. Como tive um pai hiper presente na minha vida, alguns elementos de abandono não estão presentes na minha subjetividade então em Mamaíria identifiquei como maldade pura o abandono paterno e quem se aproveitou disso. Já na obra as Guardiãs os vilões tem uma possibilidade mais concreta de remissão. Sob a direção de arte de Evandro os estúdios Kazuá fizeram uma releitura do meu texto, com uma homenagem ao teatro de bonecos e com ilustrações da talentosa Tarcila do Amaral.

Estou escrevendo mais duas obras: Irmã Dulce, uma Menina diante de Deus (titulo provisório) e Quimera, livros infanto juvenis. Acredito que Irmã Dulce ainda sai em 2022. Os personagens dessa obra são, em sua maioria, pessoas que se encontram nos abrigos e albergues para a população em jornada de rua. Quimera conta a história de um pequeno povoado na África onde mercadores sem escrúpulos envenenam as águas com roupas contaminadas de doentes terminais. Esta ideia surgiu da fala de uma amiga poeta e professora de História. Quando ela me falou disse fiquei horrorizada e comecei a pesquisar sobre esses fatos. Daí nasceu a História de Quimera.

Jornal DR1: Por que sempre lançar os livros no Rio de Janeiro?

Lisete Bertotto: No Rio de Janeiro, em Niterói tenho uma grande amiga, a Escritora Márcia Martins. Ela me convidou para lançar a Fedorenta no Rio. Foi um lançamento lindo no Saguão da UFF, Márcia agora aposentada, junto com o Celso Costa estava lançando seus livros naquele dia. Para minha surpresa tive tantas vendas como no lançamento em Porto Alegre.  E continuei vendendo no curto período que estive no Rio.  Ao passear tanto no Rio como em Niterói vi vários lançamentos ao entardecer. O Rio tem esse caldo de cultura, sempre em movimento. Já em Porto Alegre, os lançamentos de livros não despertam tanta curiosidade. Enfim, é uma realidade diferente, nem pior, ou melhor. O livro sobre a Irmã Dulce tem a intenção de falar sobre um fato especifico ocorrido lá.  Tenho uma amiga e escritora que mora em Salvador e está me ajudando a organizar os textos. Desejo ser uma autora nacional por isso sempre que puder vou me aventurar a lançar meus livros em outros estados. Sem falar que é sempre bom sentir a brisa marinha com o cheiro da mata que existe no Rio de Janeiro. Um lugar perfeito de encontro entre a natureza e o mundo Gray da Urbanidade.

Jornal DR1: O que você espera que sua obra possa contribuir para as gerações futuras?

Lisete Bertotto: Já consigo ver algumas reações quando uma criança ou adulto vê a peça, espero que minhas obras sejam lidas e se a mensagem subliminar for aceita, melhor. Um dia um rapaz mandou seus originais para a Kazuá e ao ligar para ele foi uma sessão de horror. O irmão gritava ao fundo que ele não servia para nada e que o valor que contribuía em casa não dava para nada. Realmente estagiários ganham pouco, no entanto, estão fazendo a faculdade para buscar um espaço profissional que lhe de mais realizações. O mais estranho é que o irmão agressor nem trabalhava e achava que a vida seria mais farta de o rapaz decidisse largar dos seus poemas e trabalhar “seriamente em algo útil”. Sem condições de continuar a conversa liguei em outro dia e tal irmão me atendeu e antes que começasse com a ladainha contra seu irmão já entrei lascando. Disse que ele devia ter orgulho do irmão, pois ele era um escritor de talento. Ele não soube o que me responder. Veio a mãe e entendi que todos naquela casa atendiam o celular do rapaz. Ignorei suas ofensas com o filho e comecei a trazer aspectos significativos de sua obra. Cansada de não ter público para suas ofensas ela finalmente deu seu celular para o filho. Foi uma das famílias mais abusivas que já encontrei. O rapaz era muito triste se perguntando o que teria feito para sofrer assim

Dei um exemplo para pensar esta situação de abuso contra o Ser humano. Se minhas obras servirem para as pessoas que estão em mãos perversas se libertarem já é o suficiente. Temos que ter autocrítica para tentar ser uma pessoa melhor, mas nunca joguete de quem destila ódio e preconceito.  Tenho uma amiga que me diz que diálogo é com as crianças e as crianças internas de cada um.  Procuro fazer o melhor de mim, mas quem vai dizer se a obra influiu em suas vidas serão meus leitores. Muito obrigada pela oportunidade de falar sobre meu trabalho.

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