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Espetáculo “Querido irmão: Faltou ar pra dizer” traz reflexões profundas sobre paternidade negra

CRÉDITO FOTOS: Bia Póvoa

No silêncio que ressoa em muitas famílias negras, surge “Querido Irmão: Faltou ar pra dizer”, espetáculo teatral inédito idealizado pela Confraria do Impossível. Protagonizado e criado por Well Padua, ator negro e periférico que perdeu o pai precocemente, utilizando-se dessa dolorosa vivência para motivar reflexões sobre paternidade negra. Com direção de Jeff Fagundes, representante brasileiro do International Theatre Institute e sob supervisão artística do diretor André Lemos, primeiro artista negro a receber o prêmio Shell de Teatro de Direção, o espetáculo estreia nesta quinta (26), com apresentações de quinta a sábado às 19h e aos domingos às 18h, até o dia 29, no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto. Os ingressos estão disponíveis pelo valor de R$20 e R$10 a meia, que inclui pessoas pretas e trans.

 

Em “Querido Irmão: Faltou ar pra dizer”, Well lê cartas para o irmão paterno que nunca teve a oportunidade de conhecer, revivendo memórias de seu pai quando ainda era vivo. A narrativa evoca sentimentos de ancestralidade e continuidade, explorando a paternidade a partir de uma dupla perspectiva: a experiência do intérprete como pai e a relação com o próprio pai, junto ao impacto da dolorosa realidade do genocidio da população negra.

 

Ao trazer relatos ao palco, o ator-criador oferece não apenas uma visão do seu íntimo, mas um espelho para tantos que enfrentam dramas similares. “Tornei-me pai e também enfrentei a perda do meu próprio pai. A ideia principal é trazer à tona algumas das minhas histórias e feridas, com a esperança de fazer as pessoas refletirem, especialmente os homens pretos, sobre paternidade”, afirma.

 

Well possui uma doença degenerativa no tecido do pulmão, que o colocou em um estado crítico por meses. Durante esse período, ele estava distante do pai. Com base nesse contexto, a peça explora a ideia da falta de ar como uma metáfora, representando a dificuldade do pai de Well para dizer ao filho que o amava, além da falta de ar de Well durante o tempo em que estava hospitalizado, impossibilitado de expressar seus sentimentos ao próprio filho. Sendo assim, o diretor do espetáculo Jeff Fagundes reflete sobre a dificuldade que muitos homens negros enfrentam ao se comunicar e expressar emoções. “É uma barreira emocional e cultural. Muitos não dizem o que sentem não por falta de capacidade, mas por falta de espaço e compreensão para ouvir e processar as próprias emoções”, pondera.

 

O espetáculo aborda os diversos medos que um homem negro carrega consigo, que passam desde o desemprego, a falta de dinheiro e de direitos básicos, o medo de não ser suficiente e a ausência pela morte. Incorporando a peça documentos reais, imagens e entrevistas com outras figuras negras de diferentes regiões do Rio de Janeiro, amplifica-se a temática central e as vivências de Well, dando voz a diversas experiências paternas, como explica Jeff. “Mapeamos paternidades negras e compilamos em um documentário de vídeo que compõe a peça, trazendo para o palco multilinguagens”, ressalta, promovendo investigações de linguagens através do diálogo entre o cinema, música, teatro e a tecnologia.

 

O espetáculo pretende atingir diretamente a população jovem e adulta, contextualizando esse público sobre a falta de paternidades saudáveis e a ausência de inteligência emocional, que acomete o genocidio de afeto da população negra, como defende Well. “Acredito que essa carência de afeto paterno na comunidade negra está profundamente ligada ao racismo estrutural. Acho importante refletirmos sobre o passado para compreendermos a forma rígida com a qual os pais negros de gerações anteriores foram tratados”, refletindo também sobre a necessidade de romper com antigas concepções e avançar em direção a uma sociedade mais acolhedora e empática.

 

Além de explorar temas de paternidade, o espetáculo destaca a importância de incentivar a contação da própria história nas periferias, promovendo novas e inéditas narrativas a partir da perspectiva de autores negros. “As periferias do Rio de Janeiro possuem uma identidade forte, frequentemente ignorada devido às adversas condições de vida e ao modo de sobrevivência latente em que muitas dessas pessoas são colocadas. Incentivar essas comunidades a compartilhar suas histórias rompe com essa invisibilidade. Transformar emoções pessoais em narrativas é uma forma de autocura. Não apenas uma cura pessoal, mas também uma cura comunitária porque as pessoas se veem refletidas na cena. E não é só sobre se reconhecer em uma cor de pele, mas também em vivências e emoções que, muitas vezes, são reprimidas. Isso nos ajuda a entender que é possível falar e ser ouvido”, destaca o diretor, fortalecendo novas referências sob paradigma de quebra de estereótipos, principalmente os que envolvem a população negra.

 

SERVIÇOS

 

Local: Sala Preta, Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto

Endereço: Rua Humaitá, 163 – Humaitá, Rio de Janeiro – RJ

Data: 26 a 29 (de quinta à domingo)

Horário: De quinta a sábado, às 19h. Domingo, às 18h.

Link ingresso e valor: R$20 (inteira), R$10 (meia, incluindo pessoas pretas e trans)

Classificação: 12 anos

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