O Estado do Rio avalia uso das Forças Armadas na retomada de territórios dominados pelo crime organizado, conforme plano encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. O documento, com cerca de 200 páginas, foi enviado à Corte como resposta a uma das determinações estabelecidas no julgamento da ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, e define as bases para a reocupação de áreas atualmente sob influência de grupos armados.
A ação deve começar pelas comunidades da Gardênia Azul, Muzema e Rio das Pedras, localizadas na Zona Oeste do Rio de Janeiro, região classificada pelo próprio governo como estratégica devido ao impacto direto sobre bairros vizinhos, como a Barra da Tijuca. O plano foi elaborado pela Secretaria estadual de Segurança Pública e formalizado por meio de petição assinada por representantes da Procuradoria-Geral do Estado.
No eixo voltado à segurança, o relatório não descarta a atuação conjunta de forças estaduais com órgãos federais, incluindo as Forças Armadas, em situações consideradas necessárias para garantir a retomada do controle territorial. O texto afirma que a integração dependerá de avaliações técnicas e da complexidade das operações em cada local.
A menção ao possível apoio militar ocorre semanas após um embate público entre o governador Cláudio Castro e o governo federal, motivado por pedidos de apoio durante uma megaoperação realizada nos complexos do Alemão e da Penha. Na ocasião, houve divergências públicas sobre a disponibilidade de recursos federais.
Bases 24 horas e guarda municipal comunitária
O plano estratégico prevê a criação de Bases Integradas de Segurança Territorial, com funcionamento ininterrupto. A quantidade de unidades ainda será definida em um plano tático operacional, que será elaborado após a homologação do projeto pelo STF. Essas bases devem reunir diferentes forças de segurança em atuação permanente nas áreas retomadas.
Também está prevista a implantação de uma guarda municipal comunitária, com formação específica em direitos humanos. O documento menciona ainda a presença de serviços como Justiça Itinerante, além da instalação de postos avançados da Ouvidoria e da Defensoria Pública nos territórios contemplados.
Outros órgãos federais devem atuar de forma integrada, como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, com foco no combate ao tráfico de drogas, à lavagem de dinheiro e a outras atividades ilícitas ligadas ao crime organizado.
Becos, vielas e iluminação em foco
Além das ações de segurança, o plano inclui medidas urbanísticas voltadas à requalificação de becos, vielas e áreas degradadas consideradas sensíveis do ponto de vista da segurança pública. A proposta prevê melhorias na iluminação pública, especialmente em locais apontados como de risco para domínio armado.
Na área educacional, escolas públicas das regiões atendidas devem receber investimentos para implantação do ensino em tempo integral, com oferta de atividades extracurriculares. O documento também menciona programas de apoio familiar e iniciativas voltadas ao combate ao aliciamento de crianças e adolescentes por organizações criminosas.
Serviços móveis de assistência social, como unidades do CRAS, além da criação de Casas da Mulher e de Centros da Juventude e Oportunidades, estão entre as ações previstas para ampliar a presença do Estado nas comunidades.
Wi-Fi livre e regularização fundiária
O plano de reocupação territorial também contempla obras de infraestrutura e a implementação de Wi-Fi livre em espaços coletivos das comunidades atendidas. A proposta busca ampliar o acesso a serviços públicos e reduzir a dependência de estruturas controladas por grupos criminosos.
A regularização fundiária aparece como um dos eixos centrais do projeto. O Estado prevê a criação de zonas especiais para garantir a permanência de moradores, além de ações de fiscalização contra loteamentos irregulares e construções exploradas por milícias.
Entre as medidas econômicas estão a criação de zonas de incentivo ao empreendedorismo local, parcerias com empresas privadas para inserção de jovens no mercado de trabalho e a instalação de observatórios municipais de violência e criminalidade, com produção de dados territorializados.
Cinturão de Jacarepaguá
A escolha das comunidades da Gardênia Azul, Muzema e Rio das Pedras é justificada no relatório pelo nível considerado crítico de atuação de grupos armados, pela presença de diferentes facções criminosas e por problemas estruturais como degradação ambiental, ocupações irregulares e vulnerabilidade social.
O documento classifica a área como Cinturão de Jacarepaguá e aponta o território como estratégico para a segurança pública da cidade. Segundo a análise, a milícia de Rio das Pedras está entre as mais antigas e poderosas do país, enquanto a Muzema vive um processo recente de expansão do Comando Vermelho, marcado por confrontos e expulsão de moradores. A Gardênia Azul também sofre influência da mesma facção, agravando o cenário de instabilidade.
A Secretaria estadual de Segurança Pública informou que estima em R$ 10 bilhões o lucro do crime organizado com a compra e venda de imóveis na região. De acordo com a pasta, apenas o fornecimento ilegal de internet gera cerca de R$ 3 milhões por mês, enquanto a comercialização de botijões de gás rende aproximadamente R$ 4 milhões mensais. Outras fontes de renda ilícita ainda estão em fase de levantamento.





