Quando o homem se harmonizava com os outros seres animados, Deus parecia um pai alegre vendo sua esfuziante criança brincar.
Profundo era o diálogo entre Deus e o homem: em cada palavra, em cada escuta, nos gestos, nas pausas de silêncio, em cada encontro perto da árvore da vida no centro do jardim do Éden. Havia rara cumplicidade entre criador e criatura.
Se Deus enviasse seu espírito à seiva nascente das frutas ou às águas, imediatamente o homem se servia dela para continuar a vida e participar do milagre celestial; fome e saciedade tinham o mesmo significado.
Todos conhecem o drama cujo enredo decretou o exílio humano.
Longe da luz do criador, perdido em seu orgulho, o homem caminha pelo mundo aprisionado por sua gênese desdivinizada, indiferente ao olhar de Deus.
Ser natural como todos os entes, ele agora constrói sua história de êxitos e ruínas, celebrando príncipes e reinos, elaborando a complexa ciência, fundando as artes, inventando leis e política.
Atribuindo à razão o desafio de explicar o mistério de um mundo que considera como coroação de sua autonomia e suficiência, o ser humano se auto proclama Homo Sapiens.
Mas no âmago da alma sente-se estranhamente incompleto, e mesmo procurando preencher o vazio existencial com fáceis e desmedidos aplausos à consciência, à força e poder, ele incide no erro: embriaga-se da tola vaidade que o projetou frontalmente nos abismos do desterro.
Comenta o célebre místico do judaismo Baal Shem Yov: “ assim como uma pequena moeda mantida sobre a face pode impedir-nos de ver uma montanha, assim podem as vaidades da vida impeder-nos de ver a luz infinita”.
Terrível solidão do homem: cego para sua precária e risível condição de criatura dependente da luz oferecida abundantemente pelo criador. Se esta solidão é resultado das penas intrínsecas de quem habita um mundo dessacralizado vivido como êxodo e saudade, o que dizer da solidão divina?
A solidão de Deus é recolhimento, separacão, afastamento do mundo humano. Parece que ele se escondeu na última nuvem dando as costas ao projeto orgulhoso de suficência e autonomia. Não precisam de mim, então vivam sem a minha presença.
Aconteceu isso mesmo? Deus se eclipsou?