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Lâminas do Cotidiano: O beijo de Deus e o último suspiro humano

Foi o místico judeu, criador do hassidismo, Baal Shem Tov, quem popularizou o bordão segundo o qual quem morre dormindo, em paz, sem culpas morais nem sofrimentos físicos, recebe em seu último suspiro o beijo de Deus. Devemos às religiões abraâmicas a percepção de que uma boa vida, uma vida realmente digna de ser vivida, termina com esse beijo misericordioso de Deus. Nesse ethos religioso, todo o nosso caminho existencial, todas as nossas preocupações e angústias cotidianas, todas as nossas batalhas, teriam como finalidade precípua uma morte serena e tranquila.

A vida que valeria a pena ser vivida, seria urdida, como num mosaico polifônico, por aqueles homens piedosos e sábios capazes de estabelecer uma relação de causa e efeito entre a conduta humana que espelharia a ética da vontade divina e um descanso existencial abençoado.

Entretanto, essa relação lógica em nada dependeria dos voláteis e instáveis desejos e vontade humanas (tão ao gosto de um certo humanisno pós moderno), ao contrário, ela seria pura gratuidade do ser transcendental. Tratar-se-ia da oculta lógica de Deus, não da tagarela e niilista racionalidade humana.

Espiritualidade para esse universo abraâmico seria a presença misteriosa e por vezes escondida (abscônditus) do transcendente atuando na vida humana através de breves fulgurações, feixes de luzes opacas e cálidas, iluminando a existência das criaturas para que elas recebessem, no final da peregrinação, o beijo de Deus. A realidade concreta do mundo estaria imanentizada por essas aparições misteriosas, pelas centelhas divinas e caberia ao homem sábio elevá-las à sua original morada sagrada.

Em outras palavras, as sombras do mundo esconderiam, na aparente fragmentação da realidade, uma luz totalizante que, no aqui e agora de cada evento, mostraria que o mundo profano não é outra coisa que o reflexo do criador.

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