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Lâminas do Cotidiano: O Boxeador

Subi no ringue apressadamente, enquanto a multidão gritava, vociferava o nome do meu oponente campeão de todos os pesos. Podia-se ouvir o êxtase coletivo em qualquer lugar da plateia repleta por fanáticos torcedores da nobre arte do boxe.

– Ray Sugar! Ray Sugar!

Olhei-o nos olhos e espantei-me com a determinação daquele gigante esculpido por músculos extraordinários, com uma envergadura pouco comum entre os lutadores profissionais. 

Tinha a convicção envergonhada de que não haveria meios para derrotá-lo, mas gostava da oportunidade de estar ali pronto para lutar, dando o melhor que meu corpo e mente pudessem entregar.

Tocou o sino e a massa urrava como os embriagados em noites de lua cheia, carnais e orgiásticas. Sugar Ray veio correndo em minha direção e, graças a minha conhecida habilidade, escapei ileso dos jabs de direita. Depois afastei-me e tentei revidar sem muito sucesso, a não ser um golpe que passou perto do queixo marmóreo, zunindo no ar abafado do ginásio.

O gigante se retesava, esbravejava e a audiência encolerizada pedia o nocaute imediato. Finalmente, um direto acertou-me o fígado e gritei de dor, em seguida veio uma sequência de cruzados que fez meu nariz sangrar e por fim, um gancho preciso que explodiu na ponta do queixo. Caí duro como um saco de cimento jogado ao chão e o juiz abriu contagem.

– 1, 2, 3… 

Mas, de repente ouvi uma voz que vinha de longe exigindo: – LUTE! LUTE! LUTE!

Levantei-me, estufei o peito e fuzilei Sugar Ray com um largo sorriso de deboche. O gigante enlouqueceu completamente e veio ensandecido, tentando esmigalhar meus nervos. Atirou mais um jab de direita contra a cabeça e escapei, mas no segundo encurralou-me nas cordas, desferindo golpes curtos, mas terrivelmente potentes.

Então, começou uma verdadeira surra, meu sangramento no nariz aumentou e o olho esquerdo ficou parcialmente fechado. Tinha perdido parte da visão, quando um upper deixou-me tonto e desmoronei de novo. Exausto e ferido, queria desistir, mas a voz etérea insistia: 

– LUTE! LUTE! LUTE!

E assim prossegui o pugilato. Mas, depois de tanta dor, com o sangue escorrendo pelo peito, quem ficou fora de controle fui eu e então, passei a esmurrar meu contendor sem dó nem piedade. Minha mão esquerda atingiu-o no baço e ouvi um grito de lamento e surpresa. Como que possuído por forças sobrenaturais, enfrentei-o na ambição da vitória.

No auge da excitação e da autoconfiança, quis nocauteá-lo naquele momento. Entretanto, com um contragolpe avassalador ele desferiu um cruzado no canto da minha boca. Quedei-me definitivamente, desta vez sem forças para resistir, nem vozes que sofreassem a ruína.

O juiz abriu novamente a contagem: 

– 1, 2 ,3… – até chegar a 10.

A luta tinha acabado e o campeão, como era esperado, saiu vencedor. A patuleia invadiu o ringue e levantou Sugar Ray nos ombros, enquanto eu fui pisoteado e abandonado no corner à esquerda.

Acordei horas depois e já não havia mais ninguém no ginásio.

Desci do ringue e meu corpo estava em frangalhos, mas curiosamente, sentia uma inexplicável e bem-aventurada paz de espírito. Alcancei a rua e estava muito frio, coloquei as mãos nos bolsos do casaco e continuei andando, com a certeza de que a palavra dignidade me definia inteiramente.

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