JK precisava fazer as compras mensais no supermercado, mas estava preguiçosamente estirado sobre o sofá até as 3 horas da tarde. De repente, deu-se conta da urgência da obrigação, calçou o tênis, vestiu o moletom xadrez, pegou a chave do carro na escrivaninha e tomou pressurosamente o elevador.
Naquele horário, o supermercado costumava estar vazio e além do mais, estávamos no meio do mês, quando as compras davam naturalmente uma arrefecida por conta da falta de dinheiro generalizada. Ele aproximou-se da seção de frutas e notou, sem surpresa alguma, que não havia viva alma no ambiente. Tudo muito normal.
Apalpou a maçã grande e vermelha à sua frente, forçou o dedo sobre a casca fina e brilhante, mas para sua enorme surpresa, notou que a fruta se desvencilhou da sua mão e alçou vôo até dois metros de altura. Imediatamente, outras seis também se insurgiram contra a ordem natural das coisas e começaram a flutuar no ar. Rodopiavam e trocavam de posições, alternando-se ora para cima ora para baixo, indo da esquerda para a direita e vice-versa, numa velocidade mediana, mas absolutamente concatenada.
As seis maçãs voadoras pareciam se divertir, como se fossem pássaros tropicais voejando entre árvores. Se prestássemos atenção, notaríamos que emitiam pequenos sons alegres e convidativos, muito parecidos com os bebês humanos. Inopinadamente, uma senhora de uns 70 anos entrou no recinto onde ficavam as frutas e legumes e, imediatamente, as maçãs, como se tivessem olhos na pele para avistar a intrusa, retornaram à prateleira, aquietando-se por completo.
JK ria-se da desfaçatez das redondas avermelhadas e pensava consigo mesmo: “estas malandrinhas aladas estão a fim de exibir seus gracejos somente para mim”.
A anciã deixou a seção muito calmamente, segurando uma sacola de pano, contendo alface, agrião e cenouras grandes. Mas do nada, sem que ninguém percebesse, cinco homens encapuzados, empunhando revolveres, invadiram sorrateiramente o supermercado. Todos vestiam máscaras engraçadas, um estava fantasiado de Batman, outro de Super-homem e três usavam ridículas imitações do Coringa.
Talvez porque não gostassem de super-heróis, as maçãs que estavam descansando, começaram novamente a flutuar no ar. Mas, desta vez não eram apenas as sete, não; eram dezenas e dezenas que se acotovelavam a dois metros do chão.
A primeira maçã desgovernada mirou a cabeça do Batman e o atingiu fortemente no nariz engordurado, a segunda se dirigiu a um dos Coringas, açoitando-lhe uma das pernas. A bagunça era generalizada, os bandidos gritavam desesperados, mas por encanto, ninguém podia ouvi-los. Tentaram a todo custo se desvencilhar das frutas assassinas e então depuseram, tremendo de medo, as armas que ficaram espalhadas sobre o chão liso e quadriculado.
No momento seguinte houve um profundo silêncio. Tudo havia voltado à normalidade com as redondas vermelhas e brilhantes em repouso disciplinado e orgânico em cima da banca de alumínio.
JK entrou no carro, limpou os óculos, guardou os pacotes pesados no porta-malas e ficou meditativo por alguns minutos diante do volante. Jurava que tinha reconhecido um dos bandidos fantasiados de Coringa: por Deus, será que seu pai Genésio havia descambado para o mundo do crime?