Seja com corrupção ou ações que contradizem as próprias regras impostas à população, autoridades têm dado mau exemplo durante a pandemia. No RJ, após o impeachment de Witzel por desvios na Saúde em meio ao caos da Covid-19 e as aglomerações com eventos oficiais e até mesmo festa particular do agora governador Cláudio Castro, foi a vez do prefeito Eduardo Paes pisar na bola. Após sucessivos decretos proibindo funcionamento do comércio, multas e interdições a estabelecimentos e ambulantes, muitos com mercadorias apreendidas e alvo de abuso de poder por saírem de casa para não morrerem de fome, o gestor municipal foi flagrado sem máscara numa roda de samba dentro de bar, dia 8 de maio.
Enquanto a cidade passava dos 286 mil casos de covid-19 e 24,7 mil mortes, e grandes e pequenos comerciantes contavam (e seguem contando) prejuízos após as restrições, Paes cantava com um grupo musical para pessoas (muitas também sem máscara) no bar Armazém do Senado, no Centro. Um vídeo que mostra a performance foi parar nas redes sociais e ele foi bastante criticado. O prefeito esteve no bar para participar de uma gravação a convite de um chef de cozinha.
Um dia antes, publicou um decreto flexibilizando algumas restrições na capital. Os bares passaram a não ter mais horário para fechar, mas as rodas de samba seguem proibidas. Depois da mancada, ele pediu desculpas. “Errei ao resolver me juntar aos músicos e cantar algumas músicas. Obviamente, ver o prefeito da cidade cantando em um bar, é um fato que por si só gera alguma aglomeração que é tudo que não se deve fazer nesse momento. O coronavírus é uma doença grave (estou vendo isso muito de perto) e estamos longe do fim da pandemia. Me desculpo por minha atitude e deixo bem claro aqui que não me inibirei em continuar estabelecendo as medidas necessárias para enfrentar essa doença. Os negacionistas de plantão que não se animem com meu erro”, escreveu ele no Twitter.
A nível nacional, o presidente Jair Bolsonaro também vem dando mau exemplo com aglomerações em eventos. Num dos mais recentes, dia 9, fez um passeio de moto e cumprimentou centenas de apoiadores, sem máscara e sem respeitar distanciamento social, em Brasília. Afirmou que a carreata foi pelo Dia das Mães e que espera fazer passeios semelhantes em São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Corrupção e aglomerações em eventos
No Rio, no último dia 30 de abril, o agora ex-governador do RJ Wilson Witzel pagou o pato por outro tipo de mau exemplo que pode ter custado vidas: a corrupção. Acusado de crime de responsabilidade por envolvimento em fraudes na compra de equipamentos e celebração de contratos irregulares durante a pandemia, ficará cinco anos inelegível.
Enquanto o impeachment se desenrolava, o vice dele, o então governador em exercício Cláudio Castro (agora governador em definitivo) também dava maus exemplos. Em abril, contrariou restrições impostas por ele mesmo e ao fazer eventos oficiais com aglomerações.
No dia 5, inaugurou o reservatório da Cedae do Morro do Motocross, em Duque de Caxias. A ideia inicial era não chamar a imprensa para o evento, marcado por aglomeração – Castro tirou fotos, cumprimentou e abraçou centenas de pessoas. Dois dias antes, também causou aglomeração na inauguração do Hospital Modular de Nova Iguaçu, entregue para atender casos de covid-19 após sucessivos adiamentos que somaram um ano de atraso.
O engraçado é que as cerimônias puderam ser realizadas porque o próprio Castro, à época, fez um ajuste nas restrições, um “jeitinho” para que eventos do tipo pudessem acontecer. Num decreto publicado no mesmo dia da inauguração em Nova Iguaçu, em edição extra do Diário Oficial, ele excluiu “inaugurações” e “cerimônias oficiais” do grupo de atividades suspensas em função da pandemia. No decreto anterior, de 25 de março, que definiu as regras do “superferiadão” de 10 dez dias, o governo deixava claro que “inaugurações, lançamentos e cerimônias oficiais” estavam vetados justamente por serem classificados como “eventos de caráter social” que costumam gerar aglomerações.
E a série de mancadas não parou por aí. Castro também comemorou, dia 29 de março, seus 42 anos com uma festa em uma casa em Itaipava, em Petrópolis, na Região Serrana, com várias pessoas aglomeradas e sem máscara. Com o evento, contrariou a si mesmo e também a um decreto da Prefeitura local que, na ocasião, proibia aglomerações do tipo em áreas públicas ou privadas. Castro apareceu depois nas redes sociais para também pedir desculpas.
Enquanto autoridades dão mau exemplo, o povo sofre
Em todo país, já são mais de 15,3 milhões de casos de Covid-19 e 426 mil óbitos. No estado do Rio, são 792 mil casos e 46 mil mortes, desde o início da pandemia. Além disso, as restrições que os próprios governantes muitas vezes não cumprem impactam a vida de muita gente.
Um levantamento do Instituto Fecomércio de Pesquisas de Análises (IFec-RJ) com 711 empresários da capital apontou que mais de 90% sofreram perdas e, destes, 89,4% dizem que os negócios não vão suportar novas paralisações, já que as contas não param de chegar mesmo com as restrições.
Em 2020, o Rio fechou mais de 6 mil estabelecimentos com vínculos empregatícios (7% do total), segundo estado que mais fechou lojas no ano, segundo a Confederação Nacional do Comércio. O resultado disso é o agravamento do desemprego, que já atinge 1,5 milhão de fluminenses, segundo o IBGE.
Enquanto os governantes vão dando maus exemplos e sequer aderem às próprias imposições, numa espécie de “faça que eu mando, mas não faça o que eu faço”, a população segue à míngua, amargando a covid-19 e suas consequências, o desemprego e a fome.