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Mestre André da Mocidade

Bateria da Mocidade no desfile de 1979 Foto: Agência O Globo / Sebastião Marinho

O batuque que ecoa ancestralidade, samba e representatividade na cultura brasileira

No coração da Mocidade Independente de Padre Miguel, uma das escolas de samba mais tradicionais do Rio de Janeiro, pulsa um nome que ressoa como tambor em noite de desfile: Mestre André. Muito mais que um mestre de bateria, ele foi um revolucionário da música de carnaval e símbolo vivo da ancestralidade afro-brasileira, da resistência cultural e da potência da representatividade negra no Brasil.

Nascido André Gomes, Mestre André eternizou-se como uma figura fundamental na transformação das baterias das escolas de samba em verdadeiras orquestras de percussão. Assumiu a bateria da Mocidade nos anos 1950 e, com talento visionário, criou uma nova linguagem rítmica, introduzindo cadências inovadoras e o lendário “paradinha”, uma pausa súbita da bateria durante o desfile que deu dramaticidade ao samba-enredo e eletrizou o público. Essa inovação virou referência, sendo adotada por outras escolas e se consolidando como um marco no carnaval carioca.

Mas sua importância vai além da música. Mestre André era um griô moderno, guardião da memória e da tradição africana trazida por seus ancestrais. Ele traduzia em ritmo o legado de um povo marcado pela diáspora forçada e pela resistência. A cadência de sua bateria era como um chamado aos orixás, uma celebração da fé, da força e da identidade negra que o Brasil ainda luta para reconhecer com justiça e igualdade.

A representatividade de Mestre André não era apenas artística, mas política e social. Em um país marcado pelo racismo estrutural, sua ascensão como líder respeitado de uma grande escola de samba foi um ato de afirmação. Ele abriu caminhos para que outros mestres e ritmistas negros pudessem ocupar espaços de protagonismo dentro e fora do carnaval. Sua figura inspiradora ainda hoje ecoa nos terreiros, nas quadras e nas avenidas.

Com ele, a Mocidade Independente se consolidou como uma potência rítmica. Mestre André não apenas treinava ritmistas, ele educava, cultivava o orgulho e a disciplina, transformando jovens da periferia em músicos admirados no mundo inteiro. Seu legado vai muito além das arquibancadas da Sapucaí: está presente em escolas de música, projetos sociais e na memória de quem reconhece no samba uma força cultural que molda o Brasil.

Mestre André faleceu precocemente em 1984, mas sua batida segue viva. Ele é um símbolo do que há de mais autêntico na cultura popular brasileira: criatividade, resistência, ancestralidade e pertencimento. Seu tambor ainda ecoa, lembrando a cada geração que o samba é mais que festa – é identidade, é história, é poder. E ele, com sua genialidade e coragem, moldou para sempre o som do Brasil.