Senti que puxavam meus pés descalços. Era a areia grossa e pedregosa ruindo, tentando empurrar-me para o perímetro subterrâneo da floresta desolada, onde os homens entoavam cantos tenebrosos de sacrifícios e adoração mística.
Lutei o quanto pude até perder por completo as energias e por fim, fui escorregando lentamente pelas frestas pontiagudas e ouvindo ao largo, gritos de pássaros bicudos volteando no céu acima, desbotado e estranhamente parecido com a face de um ser humano sem olhos. Por fim, caí numa espécie de mandala gigantesca feita de curiosos cães dourados, bem pequeninos, circundando um imenso território esfumaçado e que cheirava qualquer coisa entre o cítrico e o alcalino. Temi por minha vida porque estava inteiramente nu e receava ter enlouquecido completamente, quando à minha frente estendeu-se a mulher negra de olhos azuis, olhando-me fixamente como se eu fosse um exilado perigoso ou um habilidoso ladrão de corações.
A observadora percorreu cada milímetro do meu corpo, demorando-se aqui e ali, languidamente, nas partes íntimas, onde a virilidade masculina transborda desejo, força e vida. A boca vermelha tremia em movimentos inconscientes e contraía-se, chegando a mordiscar os lábios inferiores de maneira sorrateira e delicada, mas plena de significado erótico. Abraçou-me em seguida, abruptamente, sem que eu pudesse esboçar qualquer reação e nos deitamos excitados e despreocupados no chão arenoso, dentro da mandala enfeixada por filhotes ornamentados como o brilho das catedrais góticas. E nos amamos num frisson arrebatador, prenhe de gemidos e gritos incontroláveis e neste exato momento de união carnal, fui transportado para o centro fundante da criação e participei, assombrosamente diáfano, das cópulas do reino natural, onde macho e fêmea se reproduzem ao sabor do vento casto.
Fui o pólen generoso e fértil que cinge e vivifica a embocadura das plantas, dando-lhes a respiração do espírito sagrado e o fautor da atração irresistível que transforma o sexo no mais desconcertante e maravilhoso espetáculo da terra. Por segundos, pude ouvir toda a flora e fauna embriagadas, esquecidas de suas existências pregressas, mas imersas num amor cósmico desconcertante, absolutamente infenso à degeneração perpetrada pelo tempo.
A eternidade, este instante que nunca termina, dava-se ali na comunhão entre desejo e falta, na mistura do sêmen espargido com volúpia e o calor receptivo e triunfante da mulher. E o mundo criado explodia em alegria, em cores mutantes de lilases e mel cristalizado e em êxtases capazes de fazerem os céus descerem à palma da mão de uma criança e a terra elevar-se ao sublime azul angelical.
Mas, depois desta viagem ao reino de Eros, eu me vi inteiramente sozinho e uma angústia dilacerante e sobressaltada ocupou até as fímbrias mais remotas da minha respiração, transformando-me num prisioneiro da mais funda tristeza. É como se depois do prazer e do gozo viessem até mim a culpa desfolhada em pedras.
Acordei de repente na cidade da minha infância e já não estava nu, mas sofria amargamente. Tornei-me em seguida um cético, um descrente de Deus, vociferando maldizeres aos santos protetores de meus pais. Apesar do perjúrio, tive que caminhar e caminhar numa estrada sem fim. Era o meu destino de poeta errante, eu o sabia desde sempre. Durante o trajeto, um desses miseráveis à beira da estrada pegou-me pelos braços e brandiu a sentença definitiva:
– Na dúvida ou na certeza, reze; na alegria ou no destempero, reze; saudável ou enfermiço, reze.
Então, segui o conselho do velho e andei e prostrei-me sem nada questionar, sem nada sentir, apenas repetindo a antiga litania aprendida nos tempos de colégio:
– Tende piedade de mim, tende piedade de mim, Senhor.
Exausto, quedei-me perto de uma árvore frondosa e especialmente bela ao entardecer. Olhei-a atentamente e por instantes lembrei-me da deusa negra de olhos azuis, dizendo ao sabor do antigo vento casto:
– Faça um filho comigo e eu te darei, não a compreensão de todas as coisas, mas o amor que enlaça e dá renovado sentido ao meu desespero.