Nossas experiências ao tocar em residenciais sempre foi muito marcante porque em cada lugar é uma nova experiência. Em alguns locais se faz um silêncio absoluto, um olhar distante e vazio, em outros uma alegria enorme e uma interatividade contagiante. Mas uma experiência dessas merece mais detalhes: Numa tarde de primavera de 2003 vivemos um momento muito diferente.

Uma semana antes, Beth nos contata para uma serenata no aniversário do residencial apenas para deficientes visuais, mas ela não nos contou esse detalhe. Contratou um casal de seresteiros para cantar canções comemorativas e marcantes de décadas passadas. No horário combinado la estávamos adentrando os espaços cantando como sempre fazemos, mas desta vez ninguém conseguia nos ver e então à medida que íamos nos aproximando, sentíamos a emoção deles ao ouvir as canções e depois a vibração ao perceber nossos figurinos, sentindo a cartola, o violão, a casaca etc.

Era um mix de felicidade com saudosismo. No intervalo entre as canções alguém sempre contava um fato peculiar, emocionante ou divertido pra gente. Mas o sentimento de abandono e carência era forte também, e alguns eram resilientes e muito positivos ao falar da vida e o seu significado. D. Rosali contou que adquiriu glaucoma muito cedo e que se dedicou a pintar quadros e usa uma tinta de secagem rápida, com a qual consegue sentir na ponta dos dedos a forma que compõe na tela e, com o auxílio de etiquetas em braile nos tubos de tinta, consegue fazer a mistura certa das cores dando um show de cores e sensibilidade.

Seu Walter também veio até nós, entusiasmado, nos contando que depois que perdeu a visão, ainda na adolescência, por conta de uma infecção, resolveu desenvolver pequenos objetos de arte e mostrou algumas dessas suas artes pra gente.

Já D. Arlete e D. Luzia nos apresentaram várias peças de crochê que haviam feito reunindo uma combinação de cores invejáveis.

Experimentamos naquele celeiro de artistas a sensação de como a música é capaz de penetrar, envolver e provocar os mais diversos sentimentos mesmo sem nenhuma referência de imagem e cor. Percebemos que a música resgata cenários e sensações outrora esquecidos e que cada um pode revelar sua vivência particular atemporal e também nos tocar… Muito além do físico. 

Texto Fredi Jon. Outras histórias você encontra no MINUTO Serenata disponível no site: serenataecia.com.br. e no Youtube.