Era 2001 em Guarulhos. Fredi Jon, com sua cartola clássica e o casaco príncipe de gales que usava como armadura, estava prestes a viver uma cena que nenhum truque de ilusionismo teria previsto. Fora contratado para cantar na despedida de Maria, madrinha do centro de umbanda de Marcela, que deixaria a cidade.
Chegou cedo. Ligou. “Fredi! Que bom que veio! Mas espera um pouco. Estamos fazendo uma limpeza espiritual. Fica afastado pra não pegar energia densa, tá?”
Confuso, ele riu: -Energia ruim? Então vou no bar tomar um escudo de cachaça… já volto!
No bar, virou atração. Crianças o apontavam: Olha o mágico com violão! Adultos pediam Tim Maia. – Canta trago essa rosa! E alguém gritou:- De qual livro você saiu? Fredi tinha a resposta na ponta da língua pra dar a ele a aos demais, mas preferiu seguir na contagem que já beirava 1.987.835.122
Fredi pensou: Será que fui contratado ou incorporado nessa história?
Enquanto isso, a chuva caía e buzinas traziam pedidos insólitos — Me dá essa flor aí, vou enterrar minha sogra! — ou uma criança implorando: Vó, não para no farol! É o Exu da encruzilhada, ele vai entrar na Brasília!
Lá dentro, silêncio poderoso. Do lado de fora, Fredi já tinha contado estrelas, pingos e até 1.987.835.123.
Por fim, Marcela chamou: -Agora sim, pode vir.
O centro estava lotado. Amigos, filhos de santo, vizinhos, todos reunidos para homenagear Maria, mulher de sabedoria mansa e sorriso constante, raiz viva daquele espaço.
Fredi respirou, entregou a flor roxa e começou a cantar. Não escolheu melodia triste: preferiu Milton Nascimento, porque às vezes, quando faltam palavras, o sagrado canta por nós.
Então algo raro aconteceu: as pessoas se aproximaram de Maria num grande abraço coletivo. Um círculo de amor silencioso e potente. Choravam, cantavam, riam entre lágrimas. Não havia palco, nem plateia. Só um coração batendo junto.
No final, Fredi disse: – Essa flor não é sua despedida. É semente, afinal você leva um pouco de todos nós contigo.
Marcela respondeu, emocionada: – Foi lindo Fredi e certamente ela não vai se esquecer deste momento e a gente também não.
Na saída, Fredi já não sabia se era mágico, cantor ou médium em estágio probatório. Só sabia que, em certos rituais, o maior truque é ficar presente.
A foto final não mostrou apenas uma homenagem, mas a revelação de que o palco aparece onde menos esperamos, e a plateia, mesmo invisível, sente cada nota do que somos.