O mar de Guarujá refletia as luzes da casa de Seu Augusto naquela tarde de setembro de 2024. O vento carregava o cheiro salgado da brisa e o som inconfundível do saxofone de André Sanders misturava-se às risadas, brindes e histórias que ecoavam pelo jardim. Fredi Jon cantava com alma, embalando os convidados em um misto de nostalgia e alegria. Eram médicos que, há 50 anos, se reuniam anualmente para celebrar a amizade e a vida.
Chegamos pela manhã, pois iniciaríamos a partir das 13h. O clima era de expectativa e alegria. Os convidados chegaram de van, parecendo crianças vindo para a escola, rindo e cumprimentando-se animadamente, como se o tempo não tivesse passado desde a última reunião.
Seu Augusto, o grande anfitrião, estava radiante. Com os olhos brilhando, agradecia a presença de todos e exaltava a importância daqueles encontros. “A vida é feita de momentos como este, de abraços sinceros e de memórias que nos sustentam quando o tempo avança”, disse, erguendo sua taça.
O momento mais emocionante veio quando os amigos começaram a cantar uns para os outros. Canções eram dedicadas, lembranças afloravam e, por instantes, parecia que o tempo não havia passado. Seu Augusto, como sempre, oferecia uma canção a um amigo, e logo outro retribuía. A música costurava laços, aquecia corações e fazia com que todos se sentissem jovens novamente. A tarde seguiu com karaokê, histórias engraçadas dos tempos de faculdade e uma cumplicidade que só os anos conseguem lapidar.
Antes de partirmos, Seu Augusto nos puxou de lado. Com um sorriso sereno, disse: “Vocês precisam voltar muitas vezes. Ainda teremos muitas comemorações pela frente. A música de vocês dá vida à nossa festa, aquece nossos corações e esse repertório é o que agrada a todos aqui, vocês viram!!”. Saímos dali felizes carregando a promessa de vários reencontros, sem imaginar o que o destino preparava.
Os meses passaram e o silêncio de Seu Augusto começou a pesar. Simone, quem nos havia chamado para a apresentação, trouxe a notícia devastadora: em fevereiro, ele sofreu um AVC isquêmico grave. Agora, estava preso a um corpo que não respondia mais, incapaz de falar, sorrir ou organizar a festa que tanto amava. O homem que ajudou a salvar tantas vidas, que sempre promoveu encontros e fortaleceu amizades, agora estava prisioneiro de si mesmo, e nenhum de seus amigos médicos podia ajudá-lo.
A notícia fez com que cada um refletisse sobre a impermanência da vida. Como tudo pode mudar de um instante para o outro! Num dia, celebramos e brindamos ao futuro, no outro, o tempo nos confronta com sua face mais dura. Mas e os momentos vividos? Esses jamais nos são tirados.
Talvez nunca mais possamos vê-lo sorrindo em seu jardim, brindando à vida. Mas sabemos que, enquanto houver música, amizade e lembranças, seu legado permanecerá vivo. E quando voltarmos a Guarujá, vamos visitá-lo e cantar pra ele. Mesmo que nada possa dizer, sentirá o poder de uma serenata capaz de atravessar o silêncio, despertando na alma aquilo que as palavras já não alcançam.





