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O Cantador de Histórias: Por que é tão difícil acertar o tom e encontrar quem ouça nossa canção

Tem namorada

Ricardo sempre foi um cliente romântico, desses incorrigíveis que acreditam na força das serenatas e no poder de um gesto bonito. Já havia contratado serenatas pra mãe, emocionado a irmã e até convencido vários amigos a fazerem o mesmo. Mas, desta vez, havia um brilho diferente, ou talvez um certo tremor, em sua voz.

— É pra Fabiana… da faculdade, confessou. Fabiana não era qualquer uma. Sempre chamava a atenção de todos, um verdadeiro troféu a ser conquistado. Mas não era só beleza: carregava um ar misterioso, parecia se mover em outra frequência, sempre rodeada, mas nunca entregue, como quem guarda um segredo que ninguém conseguiu decifrar.

Ricardo, claro, estava completamente fascinado. E também muito ansioso. Não era a primeira vez que se jogava assim: já tinha quebrado a cara outras tantas vezes e carregava aquela velha dúvida — será que ser tão romântico afasta as pessoas?

— Acho que hoje ninguém valoriza isso, desabafou.

Fredi Jon rebateu:

— Não é que não valorizam… Só não aconteceu com a pessoa certa. O romantismo assusta quem não está pronto. Mas, pra quem é sensível e quer um relacionamento, isso é um presente raro.

Marcamos a serenata pro final da tarde, bem no pátio da faculdade. O cenário era perfeito: o coreto, as árvores antigas, o céu tingido de laranja. 

Os olhares curiosos surgiram de todos os cantos, colegas, os amigos rindo, outros gravando, alguns debochando, mas todos, no fundo, admirados pela ousadia. Era um trio de músicos que pareciam ter saído das páginas do tempo, precisamente em 1920. 

Quando a música começou, Fabiana surgiu. Linda, serena… e, claro, misteriosa como sempre. Não pareceu surpresa, nem constrangida. Apenas ficou ali, ouvindo, com aquele olhar enigmático, como quem já sabia o desfecho.

No fim, Fredi se aproximou e, em nome de Ricardo, entregou a flor, selando o gesto.

Fabiana sorriu, com sinceridade e delicadeza, e respondeu:

— Diga a ele… que é incrível. Eu admiro muito gestos assim, esta em falta nos dias de hoje, mas… Sinto magoá-lo, eu ja tenho uma namorada.

Um silêncio pairou no ar e parecia uma eternidade. Ali naqueles segundos estavam envolvidas todas as expectativas de Ricardo e sua paixão que jamais seria vivida.

Mais tarde, quando nos encontramos para contar como foi, Ricardo ouviu tudo com atenção, respirou fundo e disse, com um sorriso meio triste e desapontado:

— Elas dizem que os homens não são românticos… mas quando são, parece que não servem.”

Fredi refletiu:

— Engraçado… uns dizem que faltam homens românticos, outros que o romantismo espanta. Todo mundo reclama… mas poucos param para questionar o porque disso.

E ficou aquela pergunta no ar: se tantos se dizem solitários por falta de romantismo… e tantos dizem que o romantismo é raro… o que falta então, pra se encontrarem?

Ricardo olhou pro horizonte e, com um sorriso sereno, concluiu:

— Talvez… apenas mais paciência? Ou ainda a música certa? São perguntas que vou continuar fazendo ate encontrar a resposta.O fato que desafinei nessa!

Ali, diante do ‘não’, Ricardo percebeu: o romantismo não protege da dor, mas dá dignidade à rejeição.

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