Aquela manhã de 2003 começou com uma serenata inusitada. Fomos chamados para tocar em um velório, algo que sabíamos ser um desafio emocional. Ao chegar, o ambiente era de dor e silêncio, e a música, que tantas vezes traz alegria, ali tinha a difícil missão de acalentar corações partidos. Cada nota parecia ecoar mais fundo, carregando em si a saudade e o pesar da despedida. Foi uma experiência dura, onde sentimos o peso das emoções humanas mais profundas. Cumprimos nosso papel com respeito, mas saímos de lá ainda imersos na atmosfera pesada do momento.
À noite, uma nova missão nos aguardava: um casamento em uma comunidade de Guarulhos. O contratante nos deu a referência do Bar da Chiquinha, e seguimos em direção ao local. No entanto, a cada pessoa que perguntávamos, recebíamos a mesma resposta: “É logo ali, só cinco minutos!” Esses “cinco minutos” se estenderam por uma caminhada de 45 minutos, e o bar não aparecia. Cansados e um tanto perdidos, decidimos parar e perguntar de novo. Foi então que um morador, com um sorriso de quem sabe de tudo, nos disse que o bar estava atrás de nós… Fechado há tempos!
Rimos da situação e ligamos para o contratante, que veio nos buscar, trazendo consigo uma legião de crianças curiosas para conhecer a serenata. Elas nos rodeavam com olhos brilhantes e sorrisos tímidos, como se fôssemos parte de uma história mágica. Ao chegarmos na casa da noiva, entramos de surpresa, e o cenário que nos aguardava era um retrato de simplicidade e carinho.
A sala estava lotada, com crianças espalhadas por todos os cantos — em cima, no meio e até debaixo do sofá. Era como se estivessem montando guarda, ansiosas para ver o que aconteceria. O que mais chamou atenção, no entanto, foram os cinegrafistas: vestidos ao estilo dos anos 70, com calças boca de sino, brilhantina nos cabelos e colarinhos enormes. Carregavam câmeras antigas, e as luzes tremulavam como se estivéssemos em uma gravação de décadas atrás.
A serenata começou, e a música, dessa vez, trouxe um sentimento completamente diferente. A noiva, surpresa e emocionada, nos olhava com gratidão, enquanto os convidados, encantados, acompanhavam cada acorde. As crianças riam, os adultos se emocionavam, e os cinegrafistas capturavam tudo.
No contraste entre a serenata da manhã e a da noite, percebemos algo profundo. A música não conhece limites de ocasião. Ela pode ser tanto consolo na tristeza quanto celebração na alegria. O que muda é a maneira como toca as pessoas — às vezes ela acalma, outras vezes desperta sorrisos. Em ambos os casos, ela revela o que há de mais humano em nós: a capacidade de sentir, de compartilhar, de viver plenamente cada momento, seja no silêncio da despedida ou no riso de uma festa.
E assim, saímos daquele dia com uma certeza renovada: não importa onde ou quando, a música sempre encontra um caminho para tocar o coração.