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O Cantador de Histórias: Serenata  de cumplicidade: o amor de uma babá e sua menina

BABA

Era uma noite fria de inverno quando nossa trupe seguiu em direção a Moema, em São Paulo. O destino? Um buffet infantil, daqueles iluminados por cores vibrantes e gargalhadas miúdas. Mas o que nos levava até lá não era uma festa qualquer. A responsável pela surpresa era Edna, a babá da pequena Marina, de apenas nove anos. E a homenageada? A própria Marina

Poucos imaginavam que, no meio dos brinquedos e da euforia típica das crianças, uma serenata estava prestes a acontecer e menos ainda que havia sido a babá quem a encomendara. Chegamos com nossos instrumentos, afinamos vozes e corações, e assim, o roteiro da emoção começou a ser escrito ali, no calor doce daquele salão.

As primeiras notas ecoaram entre os balões e mesinhas infantis, e com elas, rostos surpresos começaram a procurar quem havia enviado aquela homenagem que parecia ter saído de um conto antigo. Edna havia escolhido canções que cantava para Marina desde que ela era bebê — melodias que acalentavam noites difíceis, marcavam manhãs apressadas e embalavam momentos de pura alegria. E entre uma canção e outra, contávamos histórias dessa relação que ia muito além do cuidar: era uma maternidade silenciosa, feita de gestos pequenos e amor gigante.

Edna dizia que aquelas músicas eram retratos vivos de uma convivência que não cabia em palavras. “Cuidar da Marina”, contava ela, “não era um trabalho. Era uma extensão do coração”. E com a voz embargada, agradeceu aos pais por terem permitido que esse vínculo crescesse livre, puro e verdadeiro.

Naquela noite, não foram só os pais de Marina que se emocionaram. Amigos, familiares, funcionários do buffet, todos foram tocados por algo que muitas vezes nos escapa na correria da vida: a beleza de um afeto construído no dia a dia, no silêncio, na rotina, e que, naquela noite, ganhou trilha sonora.

Os anos passaram. A infância ficou para trás.

E então, um pouco antes da pandemia, Edna nos ligou novamente. A voz era a mesma — doce, firme — mas trazia agora a saudade de quem viveu algo profundo e queria reviver. Marina, agora com 23 anos, nunca deixou de falar daquele dia. Edna contou que a jovem ainda assiste ao vídeo da serenata com frequência, como se pudesse reviver o carinho de cada acorde, como se pudesse ouvir de novo cada palavra que lhe foi dedicada com tanto amor.

Mas a pandemia chegou como uma pausa no tempo. A nova homenagem precisou esperar. Ainda não aconteceu. Mas vive, na intenção, na lembrança, na esperança de que, em breve, uma nova canção possa ser tocada. Não mais para uma criança, mas para a mulher que cresceu ouvindo aquelas músicas, sentindo aquele cuidado, guardando aquela memória.

E isso nos faz lembrar: a música é só o veículo. O que realmente toca, o que realmente permanece, é o gesto, é o afeto, é a capacidade de olhar para o outro e dizer: “eu te vejo, eu te cuido, eu te amo”. Edna viu Sofia crescer. Sofia viu em Edna um amor que ultrapassou a função. E nós, ali no meio de tudo isso, seguimos testemunhando que há vínculos que o tempo não apaga. Só transforma.

Talvez ainda estejamos à espera de um novo capítulo. Mas, com certeza, essa história nunca deixou de ser escrita.

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