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O divórcio (Parte 1)

A primeira coisa que ela fez ao chegar em casa foi tirar os sapatos e jogar-se como uma boneca de pano no sofá vermelho. Estava exausta e jamais imaginou em toda a vida uma disputa judicial assim tão penosa e ríspida com o homem que durante vinte e seis anos tinha sido seu companheiro inseparável. O ponto principal da discórdia foi a separação dos bens adquiridos e usufruídos em conjunto. O advogado dele era de uma tenacidade e eloquência dignas de um dos grandes especialistas no assunto de todo o país.

Depois de um breve cochilo e da chamada diária pela webcam com o filho que morava em Montreal, acendeu o cigarro vagarosamente, curtindo a primeira baforada esgueirando-se acima das mãos e ficou a meditar, olhando através da janela do luxuoso apartamento localizado na zona oeste de São Paulo.

– Como não imaginei que ele estava tendo um caso com a jovem recém-contratada pelo escritório de arquitetura? A nossa vida sexual era
maravilhosa como sempre, não era? E isso não seria indício suficiente para saber que o marido continuava apaixonado por você? Nossa, como fui ingênua! E pensar que eles se encontravam semanalmente há mais de um ano, como ele mesmo confessou depois que eu o intimidei, quebrando um vaso de porcelana chinesa bem perto daquela cabeça careca de engenheiro civil.

O cigarro continuava sendo consumido com sofreguidão incomum e ela relembrava a vida permeada por erros. Faz algum sentido trabalhar
doze horas por dia, da aurora ao pôr do sol, só para frequentar restaurantes caríssimos e resorts exclusivos com toda aquela gente frívola e narcisista? Ou viajar todo ano para Florença ou Barcelona, apenas para dizer a si mesma o quanto era bem-sucedida e vencedora? O que significa de fato tudo isso?

Ela jogou com força a bituca no cinzeiro brilhante e ficou drasticamente melancólica:

– Aos quarenta e nove anos, que homem interessante ficaria comigo e meus dois filhos adolescentes?

Certamente teria que ser alguém maduro espiritualmente. Imagine nessa idade começar tudo do zero e confiar novamente num desses machos
aprazíveis, mas dissimulados? Frequentar bares para solteiros ou utilizar aplicativos de relacionamentos, jamais! Era simplesmente impensável.

– Vou tatuar amanhã logo cedo, bem na nuca e em letras grandes, a conhecida expressão latina “Solus Peregrinus”, a peregrina solitária.

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