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O divórcio (Parte 2)

E riu-se gostosamente, depois de ter aberto a segunda garrafa de vinho.
– Que tal vender o BMW? E todas as joias da Tiffany? Quem sabe uma casinha pintada com cores vibrantes, amarelo e roxo, bem pequenina e aconchegante não fosse muito melhor do que conviver com os esnobes insuportáveis do condomínio Parque dos Príncipes?
Mas ela mesma não teria se tornado, sem que se apercebesse disso, uma pessoa presunçosa e extremamente ensimesmada? Era chegada a hora da radical mudança de comportamento. Ao invés das viagens internacionais, agora é o momento de conhecer e palmilhar cada pedaço desse Brasilzão amado: Chapada Diamantina, Petrópolis, Jalapão, Lençóis Maranhenses e principalmente, a impetuosa e onírica Amazônia, entre tantos outros destinos emocionantes. Hei, maridão, será que a sua covarde traição não significou uma nova vida para esta jovem senhora aqui?
O vinho estava, sem dúvida alguma, delicioso e a terceira garrafa praticamente implorava para ser aberta. Mas de repente, ao entornar a maciez de cor terrosa, ela começou a chorar, não por causa do infiel Carvalhosa evidentemente, mas por constatar que nunca mais tinha visitado os parentes simples que moravam no interior e muito menos os pais já muito velhos esquecidos na memória.
Acendeu outro cigarro displicentemente, empertigou-se no sofá vermelho e, muito tonta pelo exagero do álcool, prometeu redimir-se como ser humano renascido que era. Iria ao encontro da família já no próximo final de semana. E quer saber? Por que não uma última viagem internacional para estrear a tattoo “Solus Peregrinus” e inaugurar a nova existência de mulher livre, solta e desejante? Quem sabe percorrer o famoso caminho de São Tiago de Compostela durante quarenta dias de solidão e despojamento?
Então, concentrada nos afetos mais profundos, lembrou-se de quando era jovenzinha e o pai ajudante no cartório de Campinas, disse de forma enigmática e bela:
– Minha filha, todos os caminhos neste mundo levam a Deus, mas eu queria que um dia você fosse à Espanha para fazer a jornada santa e recordasse deste velho que te criou quando avistasse o ditado gravado em alguma árvore centenária: “o caminho de Compostela começa na porta da tua casa”.

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