A caixa de papelão azul claro tinha pelo menos o tamanho do estádio do Maracanã e estava localizada bem no centro da consciência de nosso herói desapontado.
Ele tomou distância como se fosse o próprio Tímon criado por Shakespeare, ajeitou o cabelo ralo, passou a língua nos lábios ressecados e… tibum! Mergulhou para dentro de si mesmo, como se mergulha numa piscina comprida e vítrea de clube rico. O impacto não doeu nadinha, mas fê-lo estritamente absorto, meditativo e racional, para interpretar as mil e uma coisas dessa nossa vida precária e aparentemente sem sentido algum.
A primeira e mais contundente queixa a ser processada dizia respeito ao mundo esquizofrênico da política. Alguém por aí acredita seriamente que os políticos profissionais ocupam cargos públicos para ajudar a vida das pessoas, especialmente das mais pobres? Quem entra nesse negócio ambicioso, na verdade só deseja duas coisas basicamente, poder e dinheiro e ponto final! O resto é blá blá blá para impressionar e enganar os incautos, pensava nosso herói trincando os dentes.
A segunda implicância dizia respeito ao aplaudidíssimo mundo empresarial. Vejamos a lógica da coisa, ponderava taciturno: sou um grande oligopolista e compro determinado produto dos meus fornecedores pagando x, mas revendo por 4 vezes mais caro ao consumidor final. Não obstante os custos com transporte, propaganda, taxas, salários pífios, ainda assim o lucro será fabuloso. Quem acha sinceramente que a elite gananciosa formada por sujeitos que vestem óculos Cartier e senhoras que ostentam sandálias Jimmy Choo está preocupada com os destinos da nação e sua gente sofrida? Neste universo mundano e arrivista o que prevalece é a vontade irresistível de acumular capital e emular riqueza.
A terceira meditação de nosso mergulhador de afetos concernia às instituições religiosas que se multiplicam pelo Brasil como ervas daninhas e se subdividem em escala ainda maior. De fato, na algaravia separatista contemporânea há os modernistas e seus arqui-inimigos tradicionalistas, existem ainda os que romperam com a matriz e os duplamente cismáticos que romperam com os que romperam com a sede mãe. Em suma, grassa neste “locus mistikos” que deveria ater-se às coisas santas, uma desordem funesta, babilônica e vitupérios propalados por todas as direções.
Foi o psicólogo analítico Carl Gustav Jung quem ensinou lendo os livros sagrados, que o mal se caracteriza sobretudo pela sede egóica de odiar, separar e desconstruir. Neste sentido, as ideologias esquerdistas ao redor do mundo são necrófilas, continuava exasperado o homem queixoso submerso nos abismos de sua aquosa e colorida interioridade.
Mas então, tudo é trágico e funesto na vida dos indivíduos vivendo nas metrópoles ocidentais? Temos ainda o direito de depositar esperança em alguma coisa?
Subitamente, os olhos negros deste ser humano desesperado por amor se incendiaram, pois ele recordara o evangelho de Jesus Cristo, exaltando as crianças como exemplo maior de humildade e candura, qualidades necessárias para que saiamos deste mundo tormentoso e entremos no reino inefável de Deus. Inebriado e contente com a lembrança bem-vinda, ele olhou para o céu azul claro e percebeu que havia ali um espaço, um arabesco do tamanho da sua caixa de papelão e que ambos se encaixavam perfeitamente, como a peça de um quebra-cabeça que devesse ser finalmente completado.