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O mar do Leblon

E teu corpo molhado, erotizado, penetrou na liquidez salgada do mar. E houve exata simbiose entre a tua vontade de distender-se do mundo e o acolhimento morno e benfazejo das águas. 

Era de tarde no Leblon, lembra-te? Teu desejo de desaparecer para sempre. O meu desejo de encontrar-te na geometria perversa e caótica da cidade. Tu olhavas o mar azulado e o brilho de tua alma crepitava bem no fundo do meu ser. E eu te admirava como um anjo do Senhor, depois que todas as coisas do mundo foram feitas. Tu te sentias exilada da criação, eu bem sabia desde o começo. E esta sensação de perene orfandade, alimentava em mim todos os sonhos de abrigo e redenção.

Bom mesmo era acolher-te nos braços e sentir tua respiração alternando-se, até ficar serena como uma tempestade que se tivesse amainado, até sumir nos misteriosos e cintilantes desvãos do tempo. Então, tu sorrias voluptuosamente e meu corpo esgueirava-se entre as almofadas do sofá para tocar-te as pontas dos cabelos macios e amarronzados. E nos amávamos até nossos suores se misturarem e cairmos aturdidos no tapete verde da sala, que cheirava qualquer coisa parecida com frutas cítricas por conta dos difusores de fragrâncias que tanto gostavas. Não raramente dormias, depois que nossos corpos se enlaçavam e eu ficava ali a observar os contornos das mãos diminutas e dos pés fragilíssimos que cabiam num mocassim 37, como era teu gosto de mulher refinada.

Mas, havia outra coisa: ansioso, imaginava-te envelhecida, terrosa, frequentando sorridente a cozinha da minha casa. Eu continuaria amando-te até a velhice? Meu desejo por ti perderia a voraz intensidade? Nesta embriaguez da imaginação, tantas vezes fechei os olhos e disse para mim mesmo, feliz com a decisão: sim, aqui tens um discípulo fiel do anjo exilado!

Era o mar do Leblon que querias me apresentar, lembra-te? Para me dizer toda encantada: este é o meu lugar sagrado no mundo. E depois me abraçar e cair num choro indócil, pressentindo talvez que os poetas são livres e selvagens e não podem perjurar o pendor que sentem por despedidas.

Nos afastávamos assim, sem grandes dramas ou miasmas, numa tarde iluminada no Rio de Janeiro. E tu calçavas o mocassim 37, como era de se esperar e teus jeans eram bastante curtos, como reza a moda italiana. Olhei-te bem no fundo dos olhos negros e prometi amar-te até o final dos meus dias. E tu prometeste amar-me, como se ama um pássaro voando alto no infinito plasmado por Deus. O mar do Leblon certamente estará azul quando nos reencontrarmos.

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