Foi o eminente luterano Rudolf Otto quem estabeleceu de forma definitiva os elementos irracionais preponderantes na recepção afetiva do Sagrado. Com efeito, Otto e o fenomenólogo radicado nos Estados Unidos Mirceia Eliade são imprescindíveis para os estudos acerca do essencialismo na história das religiões no deambular do modorrento Séc XXI.
Nesta época eivada pelo impressionante crescimento do mais irresponsável relativismo, tanto no aspecto formal epistemológico, quanto no concernente à moral normativa, urge recuperarmos o que Platão escreveu contra Crátilo: está no SER o âmago mesmo do verdadeiro conhecimento.
A aparência do movimento nasce da precariedade dos sentidos e, portanto, o real não é puro processo ininterrupto, mas antes encontra-se concernido e chancelado pela eternidade anterior ao AEON demiúrgico e só nele pode desvelar-se como continuum eidético.
O essencialismo em ciência da religião significa afirmar que há um núcleo duro no qual todas as manifestações do Sagrado encontram uma horizontalidade universal ou, em outras palavras, que todas as religiões participam, inobstante as evidentes diferenças de mitos, ritos, cosmogonias, escatologias, etc., de um mesmo denominador comum chamado “busca pelo absoluto” ou, se quiser dar maior ênfase antropológica à explicação, “o télos que busca solucionar o mistério da vida humana”.
A desgraça do relativismo está em escamotear este anseio universal em nome de sociologismos clicherizados que parecem anódinos num primeiro momento, mas que se transformam devido às insidiosas participações esquerdofrênicas nas deliberações das políticas públicas perpetradas pela ONU, em niilismo epistemológico e falsidade acadêmica. Aliás, note-se que desde o Kantismo, hegemônico no estudo da filosofia ocidental, o tópico hermenêutico religião parece ter se metamorfoseado em mera questão de liberdade moral e bom mocismo pietista conducentes à paz perpétua entre as nações. Ingênua interpretação daquele que escreveu os prolegômenos dos limites da razão pura, escondido na frialdade apavorante e triste de Königsberg.
Kant, assim como Descartes e antes dele Hobbes, sofria do que o professor Olavo de Carvalho chamou, de maneira heurística, de paralaxe cognitiva; quer dizer, o circunspecto alemão perdia-se numa miríade de tessituras conceituais, afastando-se da experiência real da vida empírica.
Otto e Eliade supracitados romperam com esta sacripanta alienação da consciência, brindando-nos, ora com o fogo avassalador da poética hierofânica, ora com o fascínio do Sebastos divino. A ciência da religião “per si” só pode ser interpretada como a contemplação e o horror dilacerante diante do sagrado enunciado e fundamentado por Otto nos idos de 1917.
Vale dizer que só o mysterium tremendum, a paixão sublime diante do numinoso transcendente pode guarnecer a vida humana, tanto da coragem necessária para superar sua ontológica condição de pó da terra, quanto permitir que esta mesma criatura ascenda à beleza inaudita de rivalizar com os deuses, justificando a imortalidade da própria alma.