A recente oficialização do novo salário mínimo nacional é mais do que um número em um decreto; é um documento de confissão. Confissão de que um governo que se auto intitula “de esquerda”, “popular” e que carrega no nome a bandeira do Partido dos Trabalhadores (PT), abandonou de vez qualquer pretensão séria de valorizar quem realmente move o país: a classe trabalhadora e os aposentados.
O valor anunciado – R$ 1621,00, apresentado com pompa como uma “conquista”, é uma equação cruel de sobrevivência impossível. Em um país caro como o Brasil, onde a cesta básica estrangula orçamentos, o aluguel consome a maior parte da renda e os preços dos serviços essenciais (luz, gás, transporte) não param de subir, sobreviver apenas com um salário mínimo é uma façanha que beira o martírio. Não se trata de viver com dignidade – direito constitucional – mas de uma luta diária e desgastante contra a fome, a inadimplência e a exclusão. É um valor que mantém o trabalhador em um estado permanente de vulnerabilidade, dependente de benesses assistencialistas que não resolvem, apenas paliam a miséria que o próprio sistema, tolerado pelo governo, perpetua.
A ironia amarga é histórica. O partido que chegou ao poder prometendo ser a voz dos “de baixo” normalizou a prática de ajustes mínimos, atrelados a fórmulas frias que ignoram a realidade do custo de vida. Onde está a combatividade que deveria lutar por uma política de valorização real, que recupere o poder de compra perdido para a inflação e garanta participação nos ganhos de produtividade do país? Foi substituída pela conveniência fiscal e por um pragmatismo que prioriza o equilíbrio de mercados em detrimento do equilíbrio do orçamento doméstico do brasileiro.
A traição é ainda mais profunda quando se olha para os aposentados, também amparados por esse piso. Esses cidadãos, que dedicaram décadas de trabalho, são condenados a uma velhice de apertos, muitas vezes tendo de retornar ao mercado de trabalho informal para complementar uma renda que não cobre nem medicamentos. E aqui a crítica deve ser direta e nomeada: a falta de combatividade do governo Lula e do PT frente às máquinas de corrupção e privilégio que operam à sombra do Estado.
Como pode um governo “do povo” não declarar guerra total aos esquemas de corrupção no INSS? Esquemas esses que desviam recursos vitais, perpetuam filas intermináveis, vendem agendamentos e benefícios, enquanto idosos e pessoas com doenças graves morrem na fila da espera. A morosidade e a podridão dentro do instituto são conhecidas há décadas, mas nunca houve uma purga estrutural, uma limpeza profunda e transparente. A tolerância com essa máfia é cumplicidade.
Da mesma forma, a passividade diante de escândalos como o do Banco Master – que revelou como o sistema financeiro, em conluio com agentes públicos, pode saquear poupanças e aposentadorias de cidadãos comuns – é sintomática. Onde está a fúria reformista? Onde está a disposição de enfrentar o poder do sistema financeiro e punir exemplarmente os responsáveis? A resposta parece ser um silêncio ensurdecedor, quebrado apenas por ajustes cosméticos e retórica vazia.
Portanto, o novo salário mínimo não é um motivo de celebração; é um símbolo de rendição. É a prova de que o discurso “pelo povo” foi esvaziado por uma gestão que, no poder, optou pela conciliação com as velhas estruturas de privilégio e corrupção, em vez do combate implacável a elas. Valorizar o trabalhador não é apenas ajustar um índice. É garantir que ele viva, e não sobreviva. É enfrentar os corruptos no INSS, regular e punir os abusos do sistema financeiro, e lutar por uma distribuição de renda real. Nisso, o governo atual, e o partido que o conduz, têm falhado de forma retumbante e histórica, traindo a sua própria origem e a esperança daqueles que mais precisam de um Estado justo e combativo.



