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Opinião: Qual é a sua cor???

Depois da libertação do Cabral, me recuso falar dos imperadores do STF. Fico pensando nos meus tempos de garoto, moleque lá na Rua Adelino Martins, subida do Morro Boavista, no Fonseca, Niterói, onde passei parte de minha infância jogando bola, brincando de bandeirinha, fazendo cerol de caco de vidro moído que para se chegar ao pó de vidro era preciso depositá-lo dentro de uma lata de leite ninho e socar e amassar a lata até onde desse, e com uma peneira coar o vidro e do pó mais fino misturar com cola de madeira derretida e com a mão cheia de cola e vidro passar na linha 10, esticada de um poste ao outro, fazendo o morcego subir e cortar a outra cafifa e apará-la. Pois é, em Niterói pipa se chama morcego ou cafifa, tem também pião, arraia e cortadeira (a pipa aqui do Rio).
Na rua Adelino Martins, uma rua bastante íngreme situada na subida do Morro Boavista, não era necessário empurrar o carrinho de bilha ou rolimã, bastava subir no patinete lá no alto e descer “despingolado”, ladeira abaixo. Vez ou outra, a ralação tomava parte das pernas e braços, que levava uma semana para cicatrizar, depois de muito mertiolate para quem podia comprar na farmácia, ardia pra burro, sendo que o pior era o seu substituto o famoso álcool. E assim se levava a vida na comunidade, e, diga-se de passagem, sem a criminalidade dos dias atuais.
E os desafios… A disputa pela liderança na rua era impactante. O principal desafio era que conseguia ficar mais tempo sentado em cima de uma porca se segurando nas orelhas dela. Era uma correria e uma gritaria desenfreada. É os porcos além de morder, gritavam muito. Tinha também o desafio de segurar os porquinhos e sair correndo ladeira abaixo, da porca mãe. Caramba eram muitas brincadeiras.
À noite esticávamos uma espada de São Jorge amarrada numa linha preta atravessa do outro lado da rua para assustar os moradores chegando do trabalho. Era uma correria. Estilingue no pescoço e os bolsos do short cheio de pedras de fogo (nome que usávamos nas pedras meio transparente arredondadas), que eram mais certeiras. Na Adélino Martins não passava um pássaro. Também não podia, já estavam escabreados. Quando vez ou outra pousava algum pardal no fio da luz, chovia pedra de atiradeira. Caramba até nisso tinha disputa.
Não poderia deixar de relembrar as brigas. Sim vez ou outra o pau quebrava durante o dia, e a noite íamos para casa do seu Jorge – ele era militar bombeiro, seis filhos sendo 4 homes e 2 mulheres, para assistir televisão (o Nacional Kid e o John Quest) eram os favoritos. Aliás, era a única televisão que tínhamos acesso. O chato era quando o pau quebrava com os filhos do seu Jorge (Bebeto, Edson, Miltinho e Jorge “galinha” esse era o apelido dele). Mas os melhores dias na comunidade (antes era morro), sem sombra de dúvidas era os dias do Cosme e Damião. No dia seguinte muita dor de barriga ou num palavreado mais usual na época a famosa “caganeira”, tome chá de boldo.
Era então assim o dia a dia numa infância que se vai longe. Pois é, não me lembro de haver, nessa época, as palavras discriminação, racismo e supremacia branca, entre nós. Éramos todos da mesma cor – preto, branco, mulato, branco sarará, negão, branco azedo. Tonho era negro, mas não enxergávamos essa cor nele. Tinha também o Claudio branco sarará que hoje é caracterizado como albino. Tinha uns e outros que eram cor de barro porque só tomavam banho nos finais de semana. Diante de tudo isso, chegamos à conclusão que somos resultado de uma Miscigenação racial, ou seja, não temos identidade objetiva. Nossa cor é a cor do Arco Iris, somos multicoloridos.
Não sei se vão me entender, mas tenho certeza absoluta que todos nós somos COLORIDOS e nosso sangue é VERMELHO.

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