Por Gilberto Passos, internacionalista
Recentemente, a escalada quase diária do dólar vem tomando o noticiário econômico no Brasil. O fato de que a cotação da moeda em relação ao real vem batendo recordes já é algo entendido, porém muitas vezes não fica claro como esse fenômeno pode afetar a vida do brasileiro médio, que não faz viagens frequentes ao exterior nem possui ativos em moeda estrangeira. Na realidade, essa volatilidade do dólar produz efeitos colaterais que afetam de maneira positiva e também negativa a economia brasileira e o bolso dos cidadãos.
Primeiro é preciso esclarecer o porquê dessa desvalorização que o real vem sofrendo nos últimos anos, situação que se agrava ao longo de 2020. O valor da moeda é definido no mercado de câmbio interno baseado na oferta desta moeda no país, como na forma de investimentos externos, gastos do governo e privados. Estes dólares ficam no país caso haja credibilidade que é um mercado capaz de gerar retornos a este investimento, caso essa possibilidade de retorno caia ou haja cenário de risco, esses dólares migrarão para outros mercados mais seguros ou rentáveis.
Com a economia brasileira fragilizada, os riscos de recessão global, as consequências negativas do coronavírus para a economia global e a possibilidade de não passarem as reformas exigidas pelo mercado, alavanca-se o risco de investir no Brasil, levando à “fuga de dólares” para mercados mais seguros, em especial os países desenvolvidos. Além disso, a queda da taxa de juros doméstica diminui o retorno do investimento em portfólio no país, principal fator atraente de dólares por aqui. A fuga de dólares bateu recorde em 2019, aproximadamente US$ 44 bilhões. Outra maneira de se ver os dólares investidos aqui saírem é pelo fechamento de fábricas com capital estrangeiro, retirando muitos empregos do país.
Como consequência positiva da desvalorização cambial, vemos o aumento da competitividade das nossas exportações, com produtos estrangeiros ficando mais caros aqui, favorecendo a frágil indústria nacional, cujos bens produzidos passam a ser mais consumidos internamente e também mais exportados. Ainda assim, o fator preço não é o único fator que outros países levam em conta ao importar, pensando-se também na produtividade, no nível tecnológico, no custo logístico, fatores estes que continuam em desvantagem e que tiram força da indústria brasileira. Outro fator positivo é o país se tornar um destino mais barato para o turismo e também o estrangeiro mais caro aos brasileiros, que passam a preferir viagens nacionais.
Analisamos agora as graves consequências desse movimento da moeda para a população brasileira. Um dos fatores influenciados pelo fenômeno é que os passivos de brasileiros no exterior, cotados em dólar e outras moedas, como o euro e a libra esterlina, aumentam de valor em real. Isso significa que as dívidas de brasileiros no exterior aumentam em moeda doméstica, assim como o governo brasileiro deve remunerar mais em real os estrangeiros que compram nossos títulos. Das duas maneiras, o Brasil perde dinheiro. Outro fator muito comentado é que após anos crescendo, os gastos dos brasileiros no exterior estão caindo com a crise e a desvalorização cambial, ainda que houvesse esperança por parte de economistas e da população de valorização do real com a vitória de Bolsonaro e o avanço das reformas.
Além da clara insatisfação das classes mais abastadas brasileiras quanto ao encarecimento de viagens, o fator mais grave e sério desse fenômeno é sua influência no índice de preços. Bens e insumos importados de ampla importância e utilizados por toda a economia encarecem, gerando inflação em bens supérfluos e também bens fundamentais. Um grande exemplo que afeta todos os lares brasileiros é o preço do famoso “pãozinho”, já que o trigo que consumimos é importado, e como diz Ciro Gomes, “pão é trigo, trigo é dólar”.
Além disso, grande parte dos fármacos é importada. Isso significa que remédios tão importantes, como antirretrovirais e para diabetes, encarecerão. Provavelmente nenhum produto importado tem uma influência tão grande nos preços de todos os bens como o custo dos combustíveis, apesar de sermos autossuficientes em petróleo e por termos 30% da nossa capacidade de beneficiamento inativa, incidindo sobre praticamente todos os preços já que nosso principal meio de transporte de mercadorias é rodoviário. Por fim, contrariando o discurso do governo atual de que suas medidas liberais em economia gerariam crescimento e valorização cambial, o cenário global e doméstico se direciona em uma forte desvalorização do real.