Por Sandro Barros
O coronavírus transformou o sombrio horizonte econômico da América Latina no pior em mais de meio século, como afirma Alejandro Werner, chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a região. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas, somou-se no início de abril ao pessimismo sobre a freada da atividade em escala global e sobre o baque que isso provocará em uma região tradicionalmente exposta a tantas mazelas financeiras e sociais.
Para o FMI, o choque será particularmente forte em um ponto chave do desenvolvimento social: a pobreza extrema. Segundo os dados do organismo, se o avanço da pandemia provocar uma queda de 5% na renda média da população ativa, o número de latino-americanos em extrema pobreza passará dos 67,5 milhões atuais para 82 milhões. Se a diminuição da renda dessas pessoas for de 10%, o número disparará para 90 milhões de pessoas. Ou seja, 22 milhões de pessoas a mais em relação ao número atual.
Mesmo antes do Covid-19, a região não estava num bom caminho para acabar com a pobreza extrema em dez anos, como propunha um plano da ONU. Depois de uma longa década de melhoria, a taxa de população nessa situação na América Latina ─ a região mais desigual do mundo ─ já acumula mais de cinco anos de aumento desse flagelo já muito altas: depois do mínimo de 8,2% em 2012, esse percentual cresceu até chegar aos dois dígitos. Sem o efeito da Covid-19, esse indicador alcançaria 10,7% no final deste ano, mas com a pandemia ele disparará para 13,3% das pessoas vivendo na miséria.
“Enfrentamos uma crise sanitária e humanitária sem precedentes no último século. O mundo não será o mesmo depois desta pandemia e a reativação econômica levará tempo. Não é uma crise financeira, mas de saúde e bem-estar. E será imprescindível o papel do Estado, não o do mercado. É o Estado, o público, que vai nos tirar desta crise. Não podemos voltar a transitar pelos mesmos caminhos que nos trouxeram a estes grandes abismos”, afirmou a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena.
Profunda recessão
A Cepal prevê um golpe múltiplo para a América Latina, basicamente através de seis canais: diminuição da atividade econômica em seus principais parceiros (Estados Unidos, Europa e China); barateamento das matérias-primas; interrupção das cadeias globais de valor; menor atividade turística; redução das remessas; e intensificação da aversão ao risco nos mercados mundiais. “Estamos diante de uma profunda recessão”, alertou Bárcena.
Ainda é cedo para falar em números, mas a Cepal acredita que a previsão inicial de impacto, de 1,8% do PIB, já ficou obsoleta. “Se somarmos o impacto que está tendo nos EUA e na Europa, além da China, já falamos de 3% ou 4%”, diz Bárcena. Como resposta a este novo panorama econômico, “a integração regional é crucial para enfrentar a crise, independentemente das diferenças políticas”, afirmou a chefe da Cepal.
No plano estritamente sanitário, Bárcena lembrou que o nível de leitos hospitalares disponíveis na América Latina e no Caribe está muito longe do da Europa, onde o coronavírus está causando estragos e mostrando que nenhum sistema de saúde é suficientemente forte para resistir a um choque desta magnitude. Na região, os únicos países que têm um nível de disponibilidade de leitos semelhante ao da União Europeia são, segundo os dados da Cepal, Cuba e duas pequenas nações caribenhas: Barbados e São Cristóvão e Névis. E o gasto público médio de saúde na América Latina e no Caribe mal passa de 2,2%, um terço do recomendado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). (com informações de agências internacionais)
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