Jornal DR1

Parecer contrário a solicitação de CPF por farmácias é acerto da ANPD

 

*Afonso Morais

A solicitação de CPF de consumidores por estabelecimentos comerciais voltou a ser notícia. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) emitiu uma nota técnica com parecer contrário a essa prática nas farmácias. O documento foi enviado para as principais entidades representativas do setor.

No documento é colocado em xeque a transparência das farmácias a utilização desses dados, apontando que esses podem ser compartilhados com prestadores de serviços e demais parceiros comerciais, além de existirem riscos relacionados a segurança da informação, conforme previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Isso reforça a análise que faço de que essa exigência de CPF é ilegal, mesmo quando para o fornecimento de descontos por lojas, farmácias, supermercados e outros estabelecimentos comerciais. Portanto, é importante alertar que essa prática pode ter razões muito mais escusas, incluindo a venda dos seus dados para outras empresas.

Hoje em dia, é comum, principalmente nas grandes redes de varejo, que ao entrar em um estabelecimento para comprar um produto ou um medicamento, a atendente solicite o seu CPF ou peça para cadastrar a sua impressão digital para verificar os descontos válidos para você naquele dia. Você recebe uma nota com descontos e se dirige ao caixa para pagar. Lá, digitam novamente o seu CPF ou você coloca o dedo, sem muitos detalhes sobre a necessidade daquela informação. Você já passou por alguma situação parecida, não é?

A princípio, isso pode parecer algo inofensivo, mas tem levantado inúmeras críticas sobre sua legalidade e dúvidas sobre o que essas empresas estão fazendo com esses dados.

Apenas para ilustrar, vamos considerar a seguinte hipótese em relação às farmácias: você é cliente de uma rede do seu bairro e compra há anos lá. Conforme você se sente mais fraco, aumenta a compra de antibióticos e anti-inflamatórios. Sempre que você compra seus remédios, pedem o seu CPF para buscar algum desconto. Então, um dia, você é surpreendido com a notícia de que o valor do seu plano de saúde vai subir, mesmo sem mudar de faixa etária.

Como saber se o conglomerado que controla seu plano de saúde utilizou dados dos últimos dez anos da rede que controla a farmácia onde você compra seus medicamentos para análises? Ao cruzarem os dados, perceberam que sua saúde tem enfraquecido e que sua necessidade de utilizar o plano provavelmente também vai aumentar, gerando mais gastos para a empresa. Dessa forma, aumentam o valor do plano.

Em outro cenário, em que a pessoa não tem um plano de saúde, a empresa que fornece o plano poderia até negar ou dificultar a contratação do interessado com base no histórico de compra de remédios em farmácias, visando evitar assegurar pacientes que tragam mais dispêndio do que lucro.

Esses são apenas alguns exemplos de como a simples atitude de fornecer o seu CPF aos estabelecimentos comerciais pode trazer prejuízos, seja à sua privacidade ou ao seu bolso. Em São Paulo, por exemplo, existe uma lei que proíbe farmácias e drogarias de exigir o CPF do consumidor para conceder descontos, estabelecendo uma multa de R$ 5.500,00.

Segundo o artigo 43, § 2 do Código de Defesa do Consumidor, a abertura de cadastro de dados pessoais e de consumo só pode ser efetuada a pedido do cliente ou caso seja comunicada a ele por escrito, e é nessa situação que se enquadram os “programas de fidelidade”. Nesse caso, não há nada de errado em fornecer descontos.

O que caracteriza uma prática abusiva, de acordo com a lei do consumidor, é diferenciar um cliente do outro simplesmente porque um deles forneceu o CPF na hora da compra e o outro não, sem que nenhum deles faça parte de um programa de fidelidade. Isso não é um desconto; isso é, em outras palavras, um “pagamento” pelo fornecimento dos seus dados pessoais, o que claramente viola o dever de informação previsto no inciso III do art. 6º do CDC. Você realiza uma “venda” sem saber que está “vendendo” e nem para quem está repassando essas informações.

Diante desse cenário, os cidadãos devem recusar fornecer o CPF na hora de comprar qualquer produto, uma vez que isso não é obrigatório. Caso o objetivo seja obter algum tipo de desconto, uma alternativa é se cadastrar no programa de fidelidade do estabelecimento e optar por não fornecer seus dados a terceiros em nenhuma circunstância. Esse direito é um direito que se pode exercer.

A realidade é que, apesar dos esforços do poder público em coibir determinadas condutas das empresas, os dados têm valor, principalmente quando estão relacionados a outras informações, como a saúde, e esse fenômeno é global. Assim a medida do ANPD é muito positiva, por ser uma ação efetiva que proíbe diretamente a coleta indiscriminada de dados.

*Afonso Morais – Advogado sócio-diretor da Morais Advogados, especializada em direito bancário e recuperação de crédito, com atuação na área de Recuperação de Crédito Amigável e Judicial para Instituições Financeiras, Companhias Seguradoras, Consórcios e Empresas de todos os portes.

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