Encenando a disputa por um campo de futebol entre jogadores de futebol e da gaymada, espetáculo inédito dirigido por Orlando Caldeira delineia a riqueza e a peculiaridade poética cotidiana do subúrbio carioca.
Idealizada em meio à pandemia para ser um espetáculo audiovisual veiculado na internet, “Pelada” passou do meio de campo virtual, ganhou acréscimos, foi contemplado pelo edital FOCA da Prefeitura do Rio de Janeiro e virou um gol nos palcos. Escrita por Eudes Veloso e sob direção de Orlando Caldeira, que desenvolveu a dramaturgia com Eudes e Patrick Sonata, a peça inédita traz na raiz o tom de comédia que, sem ridicularizar, cria e brinca com estereótipos para contar uma típica história do subúrbio carioca, evidenciando toda sua beleza e potência. Do cruzamento da clássica pelada heterossexual com a “gaymada” (adaptação do tradicional “jogo de queimado” pelos gays periféricos), nasce no dia 08 de abril às 20h no Teatro Gláucio Gill uma montagem que apresenta os bastidores da disputa de dois times pelo uso do Campo do Furão – um campo que existe, de fato, em Olaria – antes que uma empreiteira o compre.
“‘Pelada’ faz parte de um projeto chamado Trilogia de Subúrbio, que tem o intuito de falar sobre as narrativas da região como histórias extraordinárias a partir do ponto de vista da arte. Eu e o Eudes somos crias de Olaria, meu pai era juiz de futebol neste campo e eu cresci o acompanhando nesses jogos. Embora não goste de futebol, ficava muito atento às histórias. E nada mais emblemático para iniciar esta trilogia do que falar sobre a pelada, que não só movimenta todo o bairro, como toda uma rede de relações que existe ali – e que vai para além do jogo”, atesta Orlando.
Além dos integrantes da pelada, um time forte está em cena defendendo não só a bandeira, mas também as ações e criações LGBTQIAPN+, abordando no jogo cênico esta tensão entre a gaymada, num ambiente majoritariamente gay, e a pelada dos héteros. “É interessante pensar as construções sociais e como se organiza o Rio de Janeiro a partir destes dois polos tão antagônicos entre si no mesmo palco. Paralelamente, existem muitas camadas nesta relação, é uma trama muito forte que os relaciona, por mais que sejam diferentes entre si”, pondera Orlando, para quem a cultura do queimado sempre foi muito presente no subúrbio dos anos 1980 e 1990.
Além do clima de disputa pelo campo para jogo, entra em cena também as divergências entre os jogadores – algumas vezes, até no vestiário. E momentos de estranhamento entre gays e héteros se fazem presente na história. “A gente escolhe, a partir do riso, mostrar o ridículo do ser humano. Nesse caso, estamos falando do ridículo desta heterossexualidade que precisa ser revisada e que só atrapalha o desenvolvimento pessoal de cada um, inclusive do homem hétero a expressar suas subjetividades. E como este comportamento também é violento com o corpo da mulher, do gay e das pessoas transexuais, escolhemos o riso para mostrar o ridículo e fazer esta análise”, antecipa o diretor.
Apesar de todo apelo da tecnologia, da violência e do desenvolvimento de algumas regiões da periferia, as brincadeiras de bairro ainda existem. “E se transformaram ao longo do tempo como, de certa forma, a ‘gaymada’, um jogo formado por gays num espaço de identidade, de resistência e de construção de uma narrativa preta gay suburbana. Neste caso, quem traz o novo e quebra uma tradição já participa de alguma forma desta relação, é uma relação que se reconstrói, mas que se mantém. Queremos trazer estas reflexões”, pontua Orlando sobre a peça, mais uma realização do Coletivo Preto com a Saideira Produções, em parceria com Complexo Negra Palavra, um novo grupo de profissionais negros que surgiu do espetáculo homônimo em homenagem e com base nas poesias de Solano Trindade, o Poeta do Povo.
Embora seja bastante popular em alguns bairros no subúrbio, sendo disputado até em torneios e campeonatos regionais, a ‘gaymada’ ainda é desconhecido por muitas pessoas. “No elenco temos dois atores que praticam a gaymada já há algum tempo – o Aleh Silva e o Guilherme Canellas. Eles são artistas circenses oriundos da Baixada Fluminense e acho importante que tenhamos o lugar de legitimidade da fala deles, que são praticantes, apresentando esta cultura para além de um esporte, mas também como um espaço de resistência”, ressalta Caldeira.
Pretendendo revelar a beleza e a poesia do povo suburbano, promover a identificação e conexão de moradores do subúrbio com uma obra artística criada a partir de histórias sobre seus cotidianos, o espetáculo pretende ainda trazer para a cena a potência de novos artistas pretos também vindos do subúrbio carioca, com suas próprias narrativas e vivências. Neste grupo estão Adriano Torres, Lucas Sampaio e Raphael Elias, moradores de Ramos, Água Santa e Tijuca, respectivamente.
“Faço teatro há mais de 20 anos e tenho me questionado sobre o que produzo artisticamente. Mesmo vivendo exclusivamente da arte, não formei uma família consumidora de teatro, e eu comecei a refletir sobre qual engajamento minha arte fará. Então, considero que tenho uma dívida com os meus – minha família, meu bairro de origem, a comunidade negra. Desejo construir histórias e narrativas próximas às pessoas com as quais eu gostaria de falar e mostrar que, ao contrário do que muitos acreditam, o teatro é muito popular. E eu estou cada vez mais comprometido em fazer com que a minha arte se reconecte aos meus”, encerra Orlando.
“PELADA”
Temporada: 08 a 30 de Abril
Quando: Sábado e Domingo – 20h
Onde: Teatro Gláucio Gill
Endereço: Praça Cardeal Arcoverde, s/n – Copacabana
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)
Venda de ingressos: https://funarj.eleventickets.com/
Telefone da Bilheteria: (21) 2332-7904 (abre às 18h)
Duração: 60 min
Classificação: 12 anos
O Teatro Gláucio Gill é um espaço da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa / FUNARJ
FICHA TÉCNICA:
Idealização, Argumento e Direção Artística | ORLANDO CALDEIRA
Dramaturgia | EUDES VELOSO, ORLANDO CALDEIRA e PATRICK SONATA
Texto | EUDES VELOSO
Diretor Assistente | JORGE OLIVEIRA
Elenco | ADRIANO TORRES . ALEH SILVA . DIGÃO RIBEIRO . EUDES VELOSO . GUILHERME CANELLAS . IPOJUCAN . LUCAS SAMPAIO . RAPHAEL ELIAS . RODRIGO ÁTILA
Direção Musical, Percussão Corporal e Trilha Sonora | ANDRÉ MUATO
Direção de Arte | RAPHAEL ELIAS
Cenógrafo / Cenotécnico | UIRÁ CLEMENTE
Figurino | JÚLIA MARQUES
Assistente de Figurino | CLARA GARRITANO
Iluminador | PEDRO CARNEIRO