Em Belo Horizonte, onde o Projeto de Lei da Tarifa Zero foi rejeitado, prefeitura anuncia Orçamento 2026 com alta de 66,6% no gasto com transporte público, a maior parte com subsídio às empresas de ônibus.
Outubro de 2025 – O Brasil está na vanguarda do mundo, é hoje o país com o maior número de iniciativas de Tarifa Zero, somando mais de 130 cidades que oferecem transporte público gratuito em tempo integral. Outras capitais adotaram versões parciais, como é o caso de São Paulo e de Brasília, que oferecem gratuidade aos domingos. Em 2025, Belo Horizonte poderia ter se tornado a primeira capital a ter catraca livre todos os dias da semana. Entretanto, oProjeto de Lei da Tarifa Zero foi rejeitado na Câmara Municipal. Ainda assim, o colapso do transporte público, seja na capital mineira ou em outras cidades brasileiras, exige ações urgentes e segue na pauta. Os motivos são muitos.
Em 2026, BH pode gastar 1,7 bilhão com transporte público, uma alta de 66% sobre 2025.
A capital mineira tem a quarta tarifa de ônibus mais cara do Brasil (R$ 5,75), atrás de Florianópolis (R$ 6,90), Curitiba (R$ 6,00) e Porto Velho (R$ 6,00). Salvador está em quinto lugar (R$ 5,50), Brasília em sétimo (R$ 5,50), SP em oitavo (R$ 5,00) e Rio de Janeiro em décimo sexto (R$ 4,70), entre outras capitais.
Mesmo com uma passagem que só aumenta para o usuário, na capital mineira, o subsídio da Prefeitura de Belo Horizonte para as empresas de transporte coletivo não diminui, pelo contrário, aumenta exorbitantemente a cada ano. Em 2024, o valor foi de R$ 744,7 milhões, em 2025, R$ 1,02 bilhão, e o Orçamento 2026 (ainda em aprovação) indica R$ 1,7 bilhão, o que representa aumento de R$ 680 milhões (alta de 66,6%). O aumento da despesa da PBH com o sistema de transporte coletivo por ônibus é o que mais pesa no déficit previsto no Orçamento de 2026 do município. A alta ultrapassa a da saúde (R$ 500 milhões) e à da educação (R$ 300 milhões).
Estudo da UFMG mostra que o transporte público representa até 20% do orçamento mensal das famílias mais pobres de BH.
Enquanto as classes mais baixas são excluídas do transporte público, a classe média migra para o transporte individual. A pesquisa Orçamento Familiar do IBGE mostra que, para Belo Horizonte, o gasto com passagens de ônibus corresponde a até 20% dos orçamentos das famílias de menor renda e, de maneira mais perversa, o número médio de viagens por ônibus dessas pessoas é menor do que 10 por mês. Estudo de economistas da UFMG apontaram que a implementação da Tarifa Zero, liberando até 20% do orçamento mensal das famílias mais pobres, geraria um efeito positivo na economia da cidade: retorno médio de R$3,89 para cada R$1,00 gasto em mobilidade.
O transporte coletivo por ônibus perdeu mais de 19 milhões de passageiros em uma década no Brasil.
O Brasil registrou uma redução de 44,1% nas viagens de ônibus no transporte público urbano em dez anos. Isso significa que, em 2023, os ônibus urbanos transportaram menos 19,1 milhões de passageiros equivalentes (pagantes) por dia, em relação à quantidade transportada em 2014. O fenômeno se intensificou no período da pandemia: em comparação a 2019, o ano passado fechou com uma queda de 25,8%. Isso significa que, nos últimos quatro anos, um em cada quatro passageiros deixou de utilizar o transporte coletivo por ônibus, nas cidades pesquisadas. Mudanças de hábitos, e-commerce, home office e priorização de veículos particulares são as principais causas da queda na demanda por viagens
As informações são do Anuário NTU 2023-2024, produzido pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Os sistemas monitorados incluem Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Esses sistemas representam 33% da frota nacional, que hoje é de cerca de 107 mil veículos, e 34% da quantidade de passageiros transportados no Brasil.
O Anuário também revela que, desde 2011, não ocorre redução na idade média da frota nacional de ônibus, que atingiu 6 anos e 5 meses em 2023, um recorde histórico. A idade média ideal seria de 5 anos.
“Essas pessoas que saíram dos ônibus foram, então, para o automóvel e motocicleta, próprios e de aplicativos, aumentando trânsito, poluição e acidentes. Ou, pior ainda, elas não conseguem mais se deslocar”, pontua Roberto Andrés.
O aumento do transporte individual gera congestionamento no trânsito. A conta é simples: enquanto um ônibus convencional comporta 70 passageiros, e um ônibus articulado (mais longo) comporta 126, a média nacional de pessoas por carro é de 1,5 e de pessoas por motocicleta é de 1,1, de acordo com a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
De acordo com dados do Ministério dos Transportes, o Brasil conta hoje (set/25), com 127,7 milhões de veículos, sendo 64,2 milhões (50,3%) automóveis, 29,4 milhões (23,1%) motocicletas e 759 (0,59%) ônibus.
Belo Horizonte soma 2,79 milhões de veículos – o equivalente a 1,2 para cada habitante da cidade. Nas ruas, são 1,78 milhão de automóveis, 308,7 motocicletas e 108 mil ônibus.
A frota nacional de motocicletas cresceu 42% no período de uma década, de 2015 a 2024, ano em que o total de veículos motorizados de duas rodas atingiu 35 milhões no país. Os dados são da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo).
Segundo o levantamento, o Brasil produz anualmente cerca de 1,8 milhão de unidades e é o sexto maior fabricante de motocicletas do mundo. Atualmente, mais de 40 milhões de pessoas estão aptas a conduzir motocicletas no país.
Nos últimos dez anos, os estados de Alagoas, do Amazonas e da Bahia foram os que registraram maior aumento no número de pessoas habilitadas para conduzir motos, com crescimento de 86,3%, 79,7% e 62,6%, respectivamente.
1,3 milhões de brasileiros levam mais de duas horas no trajeto casa-trabalho
Dois em cada três trabalhadores brasileiros (67%) levam até meia hora para chegar ao trabalho, segundo dados do Censo Demográfico 2022: Deslocamentos para trabalho e estudo, divulgados em outubro de 2025 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2010, eram 65%. Outros 14,5 milhões (20%) gastam entre 30 minutos e 1 hora, e 7,4 milhões (10%) levam de 1 a 2 horas emprego e 1,3 milhão (1%), mais de duas horas. Os números também são semelhantes aos de 2010.
De acordo com o levantamento, o carro é o meio mais usado, com 32,3% dos trabalhadores. A segunda posição é ocupada pelo ônibus, com 21,4%, em seguida a motocicleta, com 16,4%. Juntos, esses três meios representam 70% dos deslocamentos no país, o que equivale a 48,9 milhões de pessoas. O levantamento evidenciou ainda que 18% dos brasileiros vão a pé para o trabalho e 6% usam bicicleta.
Metade da população do Brasil usa transporte individual motorizado para ir ao trabalho
Metade dos trabalhadores usava transporte individual motorizado —automóveis e motocicletas— como meio principal para chegar ao local de trabalho no Brasil, mostram dados do Censo Demográfico 2022 do IBGE. Já o transporte coletivo era usado por 23,3% daqueles que trabalhavam fora de casa três ou mais vezes por semana, enquanto 17,8% chegavam até o serviço principalmente a pé e outros 6,2% usavam bicicleta.
Principais meios de transporte no Brasil no deslocamento dos brasileiros do domicílio para o trabalho principal:
Automóvel: 32,3% (22,6 milhões de pessoas)
Ônibus: 21,4% (14,9 milhões de pessoas)
A pé: 17,8% (12,4 milhões de pessoas)
Motocicleta: 16,4% (11,4 milhões de
Bicicleta: 6,2% (4,4 milhões de pessoas)
Metrô ou trem: 1,6% (1,1 milhão de pessoas)
Violência no trânsito – mais motos, mais acidentes
De acordo com os dados mais recentes do DataSUS, o Brasil registrou que 14.954 motociclistas morreram em acidente no trânsito em 2024 – são 41 mortes por dia. Na última década, o aumento foi de 19%. Em 2014, foram registradas 12.604 mortes – 34 a cada dia.
“O usuário da motocicleta é, atualmente, a maior vítima dos sinistros de trânsito no Brasil. Isto se deve, entre outros fatores, ao aumento da frota de veículos, especialmente de motocicletas, sem o acompanhamento proporcional de investimentos em infraestrutura e gestão do trânsito”, diz o Atlas da Violência 2025, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os números são um compilado das estatísticas do Sistema de Informações sobre Mortalidade (Sim), do Ministério da Saúde.
Mais veículos nas ruas, mais poluição nas cidades
O aumento do transporte individual também pesa na emissão de gases poluentes. Um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Ministério do Desenvolvimento Regional aponta que “Entre os resultados relacionados aos benefícios ambientais, a maior capacidade de transporte de pessoas torna o ônibus oito vezes menos poluidor do que os automóveis, quando são analisadas as emissões de CO2 equivalente por passageiro e quilômetro.” Enquanto o índice de emissão de CO2 para ônibus é de 4,6, para automóvel é de 36,1 e para motocicleta é de 20,3.
Impacto econômico positivo
Há um grande impacto positivo nas cidades que adotam o transporte público gratuito. Um breve exemplo: um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), de fevereiro de 2025, comparou 57 cidades com Tarifa Zero a outras 2.731 sem Tarifa Zero. A amostra revelou que nos municípios com transporte gratuito houve um aumento de 3,2% no emprego formal, crescimento de 7,5% no número de empresas e redução de 4,2% nas emissões de gases poluentes.
Marco Legal do Transporte Público, em tramitação no Congresso, seria o passo zero do governo federal ainda em 2025.
A mobilização ganhou novo impulso com o pedido do presidente Lula ao Ministério da Fazenda por um estudo de viabilidade para implantar a Tarifa Zero em todo o país, com a ideia de incluir a proposta no plano de governo 2026. O tema também avança no Congresso Nacional por meio do Marco Legal do Transporte Público (PL 3278/21), que já foi aprovado pelo Senado e tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. O projeto regulamenta concessões para empresas privadas e fortalece a segurança jurídica para o financiamento do setor, abrindo caminho para cidades que estudam adotar a gratuidade.
Análise do urbanista e professor da UFMG, Roberto Andrés.
“A tarifa zero está crescendo por contaminação. Como a gente não tem uma política federal de incentivo e nosso desenho de financiamento do transporte não facilita, esses 138 municípios implantaram o modelo com recursos próprios do Tesouro, do orçamento da prefeitura. Então o município implementa, o vizinho vê que deu certo e implementa também. É importante que o governo federal entre e contribua. Se continuar crescendo dessa forma orgânica, por contaminação, ela não vai ganhar escala necessária. O governo brasileiro pode melhorar a regulamentação para que os municípios tenham instrumentos para criarem taxas e financiarem a tarifa e para que tenham mais instrumentos para fazer contratações de empresas privadas com parâmetros que resguardem mais o interesse público. Pode fazer isso por meio da aprovação do Marco Legal do Transporte Público, que já foi para o Senado e está em tramitação na Câmara. Em outra frente, o governo pode estruturar um desenho de uma política de financiamento, como a que existe na França, que cria uma forma de financiamento nacional e distribuída para os estados e municípios”, avaliou urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés, uma das lideranças da Minha BH, organização que lançou a campanha Busão 0800 na cidade.





