A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, decretada na madrugada deste sábado por Alexandre de Moraes, ganhou um novo contorno — e um debate jurídico que ultrapassa a simples narrativa de descumprimento de medidas cautelares. A tentativa de violação da tornozeleira eletrônica, somada à convocação de uma vigília por seus apoiadores, foi o estopim para a ordem judicial. Mas o significado desse movimento vai além do fato concreto: abre-se uma discussão sobre o alcance do poder do Judiciário diante de lideranças políticas que mobilizam massas.
Para o advogado criminalista e especialista em Direito Empresarial Hebert Cezar, a interpretação da situação revela uma camada mais complexa do que o discurso institucional sugere. Segundo ele, “a prisão de Bolsonaro agora ganha outra camada de gravidade: segundo Moraes, ele tentou romper a tornozeleira eletrônica — exatamente no momento em que havia convocação para vigília de apoiadores. Isso não é coincidência, é um plano.”
A argumentação jurídica utilizada por Moraes se ampara no conceito de garantia da ordem pública. O ministro entendeu que a combinação entre tentativa de violação do monitoramento e mobilização política configurava risco concreto de fuga e de tumulto institucional. Porém, o advogado alerta para o que enxerga como um precedente perigoso. “A justificativa de ‘garantia da ordem pública’ com base na aglomeração de apoiadores não era apenas vaga: estava estreitamente conectada a um risco real de fuga.”
Ainda assim, ele pondera que o Estado não estava desprovido de fundamentos para agir diante da conduta do ex-presidente. “Quando um ex-presidente, já condenado ou sob medida cautelar, viola seu monitoramento eletrônico enquanto estimula manifestações, o Estado tem motivos concretos para agir.” O ponto crítico, para o jurista, está na consequência escolhida pelo Supremo: “Mas ao transformar esse risco em prisão preventiva, usando a ‘ordem pública’ como justificativa, o Judiciário está ampliando, de forma perigosa, seu poder de restrição de liberdade.”
Hebert Cezar afirma que o conceito jurídico utilizado pode se tornar uma ferramenta de controle político. “Esse fundamento de ‘garantia da ordem pública’ deixa de ser uma proteção da sociedade para se tornar uma armadilha jurídica: serve para prender quem convoca aliados, quem mobiliza multidões, quem é politicamente incômodo.”
O caso, segundo ele, acende um alerta institucional: “Aqui, não estamos apenas diante de uma questão de segurança — estamos diante de uma escalada autoritária disfarçada de legalidade.”
Ao mesmo tempo em que reconhece a materialidade do risco, o criminalista questiona o modo como ele foi interpretado. “A tentativa de Bolsonaro de romper a tornozeleira revela que há um risco objetivo — não apenas previsível, mas material — de fuga. E esse risco é usado para sustentar uma prisão preventiva com base em uma justificativa genérica, mas convenientemente tecida com a narrativa de ‘desordem pública’ provocada por seus apoiadores.”
Para ele, o precedente pode atingir todo o espectro político. “Se ‘ordem pública = risco de aglomeração + manifestação convocada’, então qualquer líder político que mobilize apoio pode ser preso preventivamente.” O risco, diz, não afeta apenas Bolsonaro: “Isso abre precedente para criminalizar a oposição, para punir mobilizações legítimas, para estender o arbítrio judicial com um verniz democrático.”
Na visão do advogado, a mensagem institucional é clara — e preocupante. “A prisão, portanto, não é apenas uma medida cautelar: é uma mensagem. Uma advertência para quem ousar convocar uma multidão. E, pior, uma demonstração de que a ‘ordem pública’ pode se tornar pretexto para silenciar vozes por meio da Justiça.”





