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Profissionais da saúde: a dura realidade por trás dos heróis

Fotos: Pixabay

Por Franciane Miranda

O Diário do Rio entrevistou a doutora Adriana da Silva Diaz André, pediatra especialista pela Sociedade Brasileira de Pediatria e pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. A médica falou sobre a difícil rotina dos profissionais da saúde e a falta de valorização da categoria, que trabalha na linha de frente da pandemia.

O que os médicos estão enfrentando todos os dias?
Os médicos e profissionais de saúde de um modo geral estão enfrentando dias difíceis, com uma sobrecarga de trabalho, o estresse de lidar com uma doença pouco conhecida, além do medo de adoecerem e também transmitirem a doença para seus familiares.

Qual a verdadeira realidade por trás dos heróis?
Por trás dos heróis existem seres humanos que sofrem, que têm medos e ansiedades como todos, existem suas famílias. E uma coisa que ninguém fala é que quase todos trabalham sem garantias trabalhistas.

Eles possuem algum direito trabalhista quando são afastados por motivo de saúde?
Na verdade, a relação trabalhista dos profissionais de saúde não é homogênea. Alguns poucos trabalham com suas carteiras assinadas e gozam dos seus direitos, como o afastamento remunerado em caso de doença. Mas o que vem acontecendo já há algum tempo é a contratação desses profissionais na forma de pessoa jurídica (PJ).

E o que acontece com eles?
Eles são obrigados a abrirem uma firma e assim prestar serviços para os hospitais e empresas de saúde. Com isso, o hospital se isenta de pagar os direitos trabalhistas. Na prática, existem alguns acordos que são feitos como um valor às vezes maior do salário, férias, décimo terceiro, todos acordados entre o hospital e o profissional. Acontece que, como não existe obrigação legal, cada hospital age de uma maneira, uns não pagam nada mais além do salário, outros pagam uma parte em caso de afastamento e outros pagam integral. Essa falta de estabilidade gera um estresse ainda maior porque, além do medo de adoecer e ter uma evolução desfavorável. Existe também o medo de não poder cumprir com seus compromissos financeiros em caso de afastamento.

Faz tempo que isso acontece?
Essa situação já vem acontecendo há algum tempo não só com médicos, mas também outros profissionais de saúde, como enfermeiros e fisioterapeutas. Isso me chama mais atenção nesse momento e me deixa indignada porque não vejo ninguém defender melhores salários para estes profissionais que deveriam estar ganhando, no mínimo, o dobro nesse momento. Parece que as pessoas pensam que aplausos e homenagens são suficientes.

E na rede pública?
Na rede pública existem duas situações: a dos médicos concursados, que são os estatutários, e a dos médicos contratados. As contratações normalmente são feitas por Organizações Sociais (OS), que têm parcerias com o poder público. Particularmente vejo isso como a relação do atravessador. Normalmente os estatutários, que estão em extinção, já que praticamente não existem mais concursos para esta situação, recebem salários menores e gozam das garantias do servidor público. No caso dos contratados, o tratamento é semelhante ao que ocorre na rede privada, ou seja, o salário é melhor, mas se adoecer não recebe nada.

Qual a solução?
Acho que a solução para toda essa problemática será a aprovação do plano de cargos e salários para os médicos, que já está para aprovação, mas ninguém se interessa. Medicina tinha que ser carreira de Estado. Nós, médicos, precisamos trabalhar inteiramente para nossos pacientes e não para empresários. Nem falei da burocratização da Medicina, com excesso de exigências e protocolos que nos engessam cada vez mais, e que é uma das principais causas do Burnout entre os médicos do mundo inteiro.

E o que é Síndrome de Burnout?
É um tipo depressão por esgotamento físico e psíquico que leva muitos médicos a serem infelizes na profissão, chegando ao suicídio em alguns casos.

Já faltam médicos nos hospitais?
Atualmente não acho que estejam faltando médicos. O que vem acontecendo é que, como vários médicos estão adoecendo, alguns plantões são desfalcados. Mas normalmente se consegue algum substituto. Eventualmente algum médico precisa dobrar o plantão, o que aumenta o estresse.

Como os médicos estão lidando com esta pressão?
Na verdade, acho que nesse momento ninguém está parando para pensar. Todos só trabalham, trabalham e pronto! É triste ouvir alguns comentários como: ‘não tem jeito, ninguém vai fazer nada mesmo’. Uns ainda dizem: ‘pelo menos o valor do salário é maior’. Só que ninguém consegue enxergar que isso é um tratamento injusto e desumano. Não conseguem pensar que, enquanto estão produzindo, tudo vai bem. Mas se adoecerem ou até mesmo diminuírem sua produção pelo próprio envelhecimento, o que irá acontecer? E em caso de falecimento, como ficarão suas famílias? Me parece que os médicos estão sendo explorados de uma maneira cruel sem perceber.

Qual sua mensagem que aos profissionais que estão passando por esta situação difícil?
A mensagem que deixo é de coragem. Que sejam corajosos, que procurem fazer o melhor pelos pacientes, que cumpram honrosamente e amorosamente seus juramentos, mas não se esqueçam que são seres humanos como qualquer outro e com as mesmas necessidades e fraquezas. Todo conhecimento e capacitação são frutos puramente de sua dedicação e esforço. Não se deixem explorar pelos ‘empresários’ da Medicina. Exijam seus direitos, seus EPIs adequados e cuidem-se! Todos precisam de vocês. Que Deus os abençoe e proteja! Finalizo com um poema de Eduardo Alves da Costa para reflexão: ‘Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, roubam-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arrancam-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada’.

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