Entre os séculos XVI e XIX, os negros que conseguiam fugir dos engenhos se refugiavam, com outros em igual situação, em locais bem escondidos e fortificados no meio das matas. Esses locais eram conhecidos como quilombos. Nessas comunidades viviam de acordo com sua cultura africana, plantando e produzindo em comunidade.
Os quilombos representaram uma das formas de resistência e combate à escravidão. Rejeitando a cruel forma de vida, os quilombolas buscavam a liberdade e a dignidade, resgatando suas tradições e a forma de viver que deixaram na África. Tiveram grande importância e significado para a formação da cultura afro-brasileira. Eles surgiram não somente como forma de lutar contra o sistema escravagista, mas sim como uma proposta de sociedade onde não existiam divisões de classes e nem um poder absolutista. Uma sociedade antiescravagista e antilatifundiária, onde a todos os quilombolas eram dados direitos e deveres comuns de produzir e adquirir os bens que eram colocados à disposição de todos para a realização plena dos seus membros. Não abrigava apenas negros, mas também brancos marginalizados, mestiços e alguns índios.
O Quilombo de São José da Serra foi formado por descendentes de escravos que vieram do Congo, Guiné e, principalmente, de Angola. É uma das mais antigas comunidades quilombolas do Estado do Rio de Janeiro, formada por volta de 1850. Situado no Vale do Paraíba, ao sul do Estado, na região que historicamente, se tornou conhecida como “O Vale do Café”. Localizado em uma área de 476 hectares, na Serra da Beleza, após o distrito de Conservatória, abriga hoje cerca de 150 quilombolas, que mantém as tradições africanas.
O território e o modo de vida são caracterizados pela produção agrícola de subsistência; pelo sincretismo entre umbanda e catolicismo; pelo jongo, uma dança que produz uma atitude religiosa de culto à natureza, aos antepassados (pretos velhos escravos) e aos orixás; pela pedreira e pela árvore símbolo do São José da Serra, o grande Jequitibá, de onde os quilombolas acreditam emanar a força motriz da comunidade; pela relação sacra com a paisagem; pela sabedoria sobre as ervas medicinais.
Matriz africana
É uma comunidade de matriz africana que, assim como outras existentes no país, destaca-se por suas contribuições sobre o conhecimento das plantas e de seus múltiplos usos, na construção de moradias e no tratamento de saúde física e espiritual, todos interligados à busca do bem estar humano. Destaca-se também pela resistência em relação à manutenção de suas tradições, que se refletem nas relações sociais e em seu modo peculiar de vida e no fato da forte ligação da comunidade com fragmentos da floresta atlântica.
O jongo é uma dança de roda tida como uma das origens do samba e considerado pelo Governo Federal como Patrimônio Histórico Nacional. Sua origem remonta à região africana do Congo e Angola e chegou ao Brasil Colônia com os negros. A estruturada festa do jongo segue ritos tradicionais consagrados, como fogueira ao centro e o terreiro rodeado por tochas. Antes de iniciar os pontos, a mulher negra mais idosa é responsável pelo jongo, pede licença aos pretos velhos antigos — velhos jongueiros — benzendo os tambores sagrados.
É costume dançar o jongo no dia 13 de maio, em homenagem aos ancestrais sacrificados pela escravidão, assim como nos dias de santos católicos de devoção da comunidade, nas festas juninas e em casamentos. Originalmente é dançado ao som de tambores, confeccionados com troncos de árvore e considerados sagrados por seu poder de comunicação com os antepassados, indo “buscar quem mora longe”. Os pontos do jongo costumam retratar o contato com a natureza, fatos do cotidiano, o dia a dia do trabalho braçal nas fazendas e a revolta diante da opressão. Mistura o português com a língua quimbundo, herança dos povos Bantu.
O Quilombo São José da Serra é o berço do jongo e terra natal da lendária jongueira e sambista Clementina de Jesus.
Vitor Chimento, biólogo e jornalista
MTb 38582RJ