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Referência e representatividade negra nas artes

Artistas falam sobre inclusão e diversidade nas produções culturais

O ator e produtor cultural Cridemar Aquino comemora novo personagem na próxima novela , das 19h, da Rede Globo, “Quanto Mais Vida, Melhor”, que estreia no dia 22 de novembro com um elenco super alto astral. O ator vai integrar essa equipe interpretando o delegado Nunes. Com 24 anos de experiência na profissão, o artista, celebra as conquistas dos atores pretos, e acredita que a estreia tão próxima a data que se comemora o Dia da Consciência Negra é uma feliz coincidência.

Foto: Divulgação

Cridemar relembra suas inspirações no ofício:

Dona Ruth de Souza, Dona Lea Garcia e Dona Ilea Ferraz atrizes incríveis, mulheres negras que serviram de espelho não só pra mim, mas pra vários outros artistas negros e negras desse país.

O ator foi pego de surpresa, pois nem esperava receber o convite para o folhetim.

Vocês acreditam que eu tinha esquecido que tinha feito esse teste para a novela? (risos) Quando recebi a notícia do nosso produtor de elenco, Guilherme Gobb, foi fantástico. Depois de 24 anos de carreira, essa é a primeira vez que estou fazendo uma novela inteira, do começo ao fim! Estou muito feliz e o meu personagem, o Delegado Nunes, tem me trazido muitas alegrias.

A novela foi produzida com muitos cuidados, está sendo gravada desde dezembro do ano passado, seguindo todos os protocolos necessários para manter a saúde da equipe. Atualmente, Cridemar foca no futuro e pensa na importância de ter sido escalado e no que isso representa:

Certamente me considero capaz de enfrentar novos desafios na minha carreira profissional. Espero sinceramente que eu e outros artistas negros tenhamos mais oportunidades de mostrar nosso trabalho com mais constância e diversidade de personagens. Nosso público precisa e merece mais referências e representatividade.

Ator Milton Filho celebra trajetória de sucesso no palco, na TV e no cinema

Com destaque em espetáculos premiados como As Cangaceiras e Chaves – Um Tributo Musical, Contos Negreiros do Brasil, Oboró – Masculinidades negras, o ator Milton Filho chegou de Montevidéo, onde gravou uma série para a Amozon Prime Vídeo, direto para os palcos paulistas. Milton faz parte do elenco do musical As Cangaceiras Guerreiras do Sertão, em cartaz no Teatro Tuca.

O ator, também pode ser visto no primeiro curta-metragem dirigido pelo dramaturgo Rodrigo França, Como Esquecer Um Grande Amor, exibido na 14ª edição da Mostra de cinema negro Zózimo Bulbul, no Rio de Janeiro. O festival é um dos mais importantes eventos de representação da cultura negra. Na obra, Milton interpreta Paulo e vive um romance com o protagonista da trama, Caio, papel de Reinaldo Junior, que não consegue superar o fim de seu relacionamento anterior.

Ao longo de sua carreira, Milton teve a oportunidade de vivenciar diversos personagens. Na TV deu vida ao enfermeiro Chico de Amor sem Igual da Record. Mas a indicação ao prêmio Aplauso de Teatro como melhor ator coadjuvante, veio de sua brilhante atuação como o primeiro palhaço negro, Beijamim de Oliveira, no espetáculo em homenagem ao comediante mexicano Roberto Gómez Bolaños (1929-2014).

Milton ressalta que apesar de atuar em diferentes projetos da cultura e do audiovisual, ainda falta oportunidade para artistas pretos: Existe sim uma mudança no cenário e na carreira de profissionais negros, mas ainda é preciso avançar mais. Essa participação mais ativa do negro na dramaturgia é uma conquista. Deixamos de ser apenas o escravo, o porteiro, a doméstica. Nós pretos podemos interpretar personagens que poderiam ser de qualquer etnia. Há avanço, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.
Milton afirma que a arte é um caminho para acabar com o preconceito e reparar a dívida histórica do Brasil com a população negra.

A arte traz esperança e faz com que acreditemos que possamos ser tudo. Podemos ser heróis, reis e tudo o que nunca imaginamos ser. Por isso, a arte é fundamental para alicerçar o caráter dos que estão vindo e para reverenciar toda uma ancestralidade. Podemos mudar o pensamento que está enraizado dentro da sociedade para com o negro. Já que a TV e o cinema construíram imaginários racistas, que eles consertarem isso! – conclui.

Representatividade e empoderamento feminino na luta contra o racismo

Foto: Divulgação

Mulheres empoderadas e especialistas falam de inclusão e aceitação da mulher negra

Sávia David, digital influencer, com mais de 180mil seguidores, rainha de bateria da Escola de Samba Vila Maria, musa da Beija-Flor conhece bem o preconceito e a discriminação. De origem humilde, ela escolheu lutar por igualdade e justiça social através da educação. Ela é formada em Direito e Educação Física e tem mais de 30 cursos de especialização na área.

Sávia também é fisiculturista e acumula alguns prêmios. Sua grande paixão é o samba e o carnaval. Em 2022,o enredo da Beija-Flor fala sobre um tema que teve imediata identificação: “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”, um enredo de autoria coletiva, escrito pelas mãos, vozes e memórias de cada componente da comunidade de Nilópolis. Sávia David, musa da escola, vem representando o empoderamento feminino e a sabedoria.

O preto vem de uma história sofrida, mas cheia de beleza, superação e ensinamentos. A mulher preta ainda mais. Pesquisas mostram isso. Mesmo assim, elas não deixaram de mostrar o talento na arte, na literatura, na música e em muitos outros setores. Mulheres que sempre foram poderosas e abriram espaço para todas nós – diz.

Savia ressalta que a sabedoria da mulher negra não está apenas em ter cursado uma faculdade, escrever livros ou se tornar artista. Vai muito além disso. Somos mulheres incríveis e carregamos diversas histórias de superação, resistência, leniência e de resiliência. E hoje ,somos empoderadas porque fomos além e somos capazes de nos libertar dos conceitos estéticos e assumir toda nossa ancestralidade – Conclui.

Atriz Bruna Montenegro é uma das escolhidas para a campanha “Isso é coisa de Preta” do canal GNT.

Com foco na representatividade e empoderamento feminino, a atriz, afrobailarina e pedagoga, Bruna Montenegro, celebra sua primeira participação em programa de TV com projeto que exalta pluralidade e diversidade entre as mulheres negras. Com foco na questão racial, a campanha será veiculada na TV e redes sociais em comemoração ao mês da Consciência Negra.

O objetivo da ação é inverter perspectivas e demonstrar que as mulheres negras têm orgulho de ser quem são, do cabelo, do corpo, das próprias referências e da importância que elas têm no país. Na carreira artística, desde os 8 anos de idade, Bruna tem consciência racial , valorizar a ancestralidade e acredita que sua escolha para o projeto se deu por ser uma mulher completamente fora dos padrões impostos pela sociedade, por ser um corpo preto em movimento, mesmo carregando marcas do racismo:

Apesar de todas essas marcas, eu não desisto e estou sempre procurando ocupar os espaços. Acredito também que minha participação tenha sido por trazer a questão de ser um corpo preto e gordo que dança. E de evidenciar a representatividade para outras mulheres pretas e gordas que muitas vezes desistem dos seus sonhos porque acham que não vão conseguir por conta dos estereótipos impostos pela sociedade.

Eu já pensei como essas irmãs pretas, mas entendi o quanto eu preciso estar e ocupar todos os espaços para que as próximas gerações os ocupem também.

Ainda segundo Bruna, dançar a ancestralidade e ser uma mulher preta real contribuiu muito para sua participação na ação que promove a representatividade, identidade e empoderamento da mulher preta:

Sabemos o quanto é importante para nós artistas pretos ocupar estes espaços no Audiovisual.
Nós artistas pretos já estamos ocupando, mas ainda falta um grande caminho a ser percorrido. Foi emocionante participar desta Campanha no Gnt, ser maquiada por uma mulher preta, ser dirigida por uma mulher preta, ter figurinistas pretas que entendem o seu corpo e o respeitam, o cuidado de uma mulher preta mexendo no meu cabelo. Foi incrível, e enriquecedora todas as etapas do processo – afirma.

RACISMO E INJÚRIA NA LUTA CONTRA O PRECONCEITO

Advogados falam dos avanços jurídicos e de como os negros podem fazer valer seus direitos

Por mais que muitos digam que não, o Brasil é preconceituoso. Uma discriminação que passa por pobres, favelados, nordestinos, gordos e, principalmente, pretos. Na área criminal, depois de anos de luta, avanços foram feitos, como criminalizar essa prática e distinguir de modo específico dois tipos distintos de crime: Injúria racial e racismo.

Mas ainda precisa um ajuste, para a lei ser mais precisa. No dia 28 de outubro último, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o crime de injúria racial passou a ser imprescritível e inafiançável, como o do racismo. Além disso, não precisa mais do interesse da vítima para que as medidas cabíveis sejam tomadas pelo Ministério Público. Segundo o Código Penal, injúria racial é a ofensa à dignidade ou ao decoro em que se utiliza palavra depreciativa referente a raça e cor com a intenção de ofender a honra da vítima. Já o crime de racismo, ocorre quando um grupo ou coletividade sofrem ato de discriminação. Por exemplo: negar o acesso de negro a um determinado local.

Dessa forma, a constituição atua de maneira eficaz no combate ao preconceito e na busca por igualdade de direito e afirmação do negro que há anos sofre com a discriminação e a falta de oportunidades. É o que explica o advogado criminalista, Marcos Thadeu, do escritório Moraes & Santos:

A constituição veio para resgatar e promover a dignidade. As leis são para proteger os cidadãos brasileiros. A era sem lei, onde ecoava o estalo da chibata acabou. Não se pode mais ouvir gemidos dos açoites, nem das senzalas.

Mesmo assim, o racismo, a injúria continuam sendo praticados contra homens, mulheres e crianças. A pequena Elisa de Freitas, apelidada carinhosamente de “Minnie”, por amar a personagem da Disney, chamou a atenção por aos 4 anos, deslizar nas pistas de skate com destreza e naturalidade. Com a conquista nos Jogos Olímpicos de Tóquio da medalha de prata no skate por Rayssa Leal, a “fadinha”, Elisa ganhou destaque a mídia e muito elogios, mas também críticas e comentários racistas.

Chegaram ao cúmulo de desenhar um macaco no skate em referência a minha filha, fora outros comentários que caracterizam injúria racial. Fiz de tudo para proteger minha filha, que não merece ser vítima dessa ignorância, mas lamento profundamente ver que nossa sociedade continua hipócrita e com tanto preconceito – diz o pai de Elisa, o professor de educação física Gilson de Freitas.

Essa ofensa racial é mais comum do que se imagina. Como a punição não era a mesma do racismo, esse crime ainda era praticado com muita frequência. Esperamos que, com leis mas severas, essa história mude. O que existe de fato na sociedade é um preconceito racial, que é silencioso e difícil de ser percebido. E a injúria racial esta é latente na sociedade. Quem não presenciou ou ouviu de alguém foi objeto de insulto como: macaco, negro, crioulo ou o que foi feito de forma covarde com a Elisa? – questiona o Procurador Geral da Câmara Municipal de Mesquita e advogado criminalista, sócio do escritório Mendes & Brunízio, Vagner Marcolino.

Marcos Thadeu conhece de perto essa realidade racista. Com trabalho social na comunidade da Mangueira.

Atendo casos assim quase que diariamente. O negro não pode se calar. A lei deve ser cumprida. A população deve fazer valer os seus direitos, não pode abrir mão disso. A lei não socorre os que dormem. Somente com a denúncia dos fatos, o autor do crime poderá ser penalizado. Seja por agressão física ou verbal, a vítima deve ligar para 190, reunir provas, como fotos, vídeos e relatos de testemunhas e pessoas que presenciaram o crime. Em seguida ir à delegacia mais próxima e registrar a ocorrência para que o agressor seja identificado e punido pelo ato.

As mudanças na lei e as manifestações como o movimento “Vidas Negras Importam” contribuem para o avanço na luta por igualdade, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Estamos no caminho certo e com esperança em dias melhores. Vamos seguir e colocar em prática os ensinamentos dos nossos ancestrais que chegaram aqui e foram escravizados. Hoje lutamos pela liberdade e o direito de ocupar todos os lugares. O negro pode ser o que quiser, pode estudar, fazer mestrado doutorado e por aí vai. Somos potência e resistência”, conclui Vagner Marcolino.

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