Os danos da retenção salarial. Como o salário tem natureza alimentícia, o seu não pagamento acarreta danos e prejuízos dos mais diversos ao trabalhador e prejuízo ao empregador também. Conforme a Constituição Federal, essa prática dolosa que desrespeita deliberadamente a lei, por ação ou omissão, tendo plena consciência que está cometendo crime doloso.
A retenção de salário do trabalhador, no todo ou em parte, é definida como crime pelo Projeto de Lei do Senado nº 415/2014. Pela proposta, a penalidade a ser imposta a essa prática poderá chegar a quatro anos de prisão, além de uma multa a ser determinada pela Justiça.
Frequentemente salários deixam de ser pagos, sob as mais diversas justificativas e esta situação deve ser reprimida com urgência. Os riscos para um empreendimento devem correr exclusivamente por conta do empregador, razão por que os eventuais prejuízos não podem ser transferidos para o trabalhador, especialmente quando se tratar de situações provocadas por terceiros.
Não se pode permitir que a retenção dolosa de salários seja tratada como mera inadimplência, sendo a indenização por dano moral fixada considerando o porte da empresa ofensora, seus antecedentes e as peculiaridades do caso, de forma ressarcitória e também pedagógica. É profilático, educativo e inibidor.
O empregador tem até o 5º dia útil do mês subsequente para efetuar o pagamento dos salários de seus empregados. Quando a empresa, firma ou estabelecimento está atravessando dificuldades financeiras, pode atrasar o pagamento dos salários, desde que tenha junto à Delegacia Regional do Trabalho justificado o real motivo deste atraso. Caso não o faça, incorrerá a empresa em um crime de natureza trabalhista – crime contra a organização do trabalho, passível de multa e até de fechamento do estabelecimento.
Reter o pagamento de salário dos empregados sem motivo justificável, caracteriza-se crime e o empregador poderá inclusive ser penalizado também com o pagamento das multas que os empregados terão que pagar em suas contas pessoais, por causa deste atraso, desde que injustificável.
Os riscos do empreendimento econômico são do empregador, como determina a legislação trabalhista, e poucas as empresas conseguem cumprir com todas as suas obrigações contratuais e sociais e muitas o fazem com grandes sacrifícios, empréstimos a juros altos, alienação dos imobilizados, etc. Mas há também aqueles empregadores que deixam de cumprir suas obrigações civis, trabalhistas, fiscais, previdenciárias, etc., apostando na passividade do trabalhador, que muitas vezes preferem não se aborrecer. Contabiliza-se a existência de um contumaz descumprimentos dos direitos dos trabalhadores incontáveis vezes.
O sagrado salário é a contraprestação devida pelo empregador ao empregado e tem a natureza alimentar – se trabalha para comer –, e a ausência de pagamento causa grave prejuízo não só financeiro e econômico como também ético e moral, naquele empregado que, utilizando de sua força física e/ou intelectual, trabalhou o mês inteiro para receber seu pagamento e, ao final do período, fica naquela expectativa nociva de não receber pelo esforço despendido.
Temos um problema seríssimo no Brasil, que é o de se considerar esperteza o que todo o resto do mundo considera desonestidade. É o jeitinho brasileiro. Esse “jeitinho” projeta-se no contrato de trabalho com consequências funestas: alguns empregados fingem trabalhar e os empregadores fingem pagar. E uma relação que deveria ser de confiança e de colaboração recíprocas converte-se num mero suportar-se ou até numa busca incessante de obter vantagens indevidas, de lado a lado, com abuso de direito, ou mesmo no descompromisso com a sorte e o destino do parceiro (o empregado não se importa com o empregador, nem este com o empregado, ambos querem apenas as vantagens que puderem extrair).
A mais grave faceta desse abuso é a retenção dolosa de salários, ou seja, o não pagar não por não ter com que pagar, mas por não querer pagar, seja por puro egoísmo, seja por eleger outras prioridades, seja mesmo para assediar o trabalhador, buscando obter seu pedido de demissão, ainda mais se considerado que o pagamento do salário é a principal obrigação do empregador para com os empregados.
Por salário entenda-se valor que deve ser pago habitualmente ao empregado, em contrapartida ao trabalho prestado, inclusive as horas extras e o 13º salário. E a retenção sem motivação tem o efeito danoso ampliado. O mesmo ocorrendo no pagamento da rescisão contratual, que já desempregado, dependendo daquele pagamento para poder enfrentar o desemprego, chega a ser uma crueldade e fere a dignidade humana.
Se o crédito do trabalhador é perdido por inserção indevida no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), por exemplo, a jurisprudência costuma deferir indenizações não pequenas, indenizável pela perda da capacidade de adquirir a crédito, mas não a perda indevida da capacidade de adquirir a vista, pela sonegação salarial. O dano moral deve ser indenizado.
E a condenação ao pagamento de indenização por danos morais e materiais está condicionada a existência de três aspectos: a ação ilícita por parte do empregador; o dano sofrido pelo empregado; e o nexo de causalidade entre ambos. O não pagamento doloso de salários implica em dano moral, porque faz aparecer graves danos à vida pessoal do empregado, impedido de arcar com despesas próprias à sua sobrevivência, além de danos sociais, familiares, etc., perda da saúde por falta de meios para comprar remédios, da educação pela perda da vaga na escola particular, entre diversos exemplos.
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Ana Cristina Campelo
Advogada e jornalista
MTb 38578RJ
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