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Ruas que o carioca anda, mas não conhece: a Rua Buenos Aires

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Da 1º de Março ao Campo de Santana, conheça a história da rua cujas as lojas atraem centenas de pessoas todos os dias

Ao passear pelas ruas históricas do Rio de Janeiro, é impossível não se deparar com locais que guardam memórias e significados de séculos passados. Entre esses lugares emblemáticos está a Rua Buenos Aires, conhecida também por seu antigo nome, Rua do Hospício. Para quem frequenta o SAARA para fazer umas comprinhas, a Rua Buenos Aires já é uma velha conhecida. Quem quer comprar alguns dispositivos eletrônicos, fones de ouvido novos ou um gadget interessante para sua mesa por preços acessíveis, a rua é endereço certo. Porém, o carioca muitas vezes ignora a riqueza de histórias por cada rua que pisa diariamente.

Vamos então viajar no tempo, para uma breve incursão pelo passado que revela detalhes fascinantes sobre essa via que desempenhou um papel central na configuração da identidade carioca:

No século XVII, a Rua Buenos Aires era denominada Rua de Trás do Hospício, apesar de não abrigar, de fato, um hospício em suas cercanias. A origem desse nome curioso remonta à presença de um asilo fundado por frades capuchinhos italianos, localizado em um quarteirão próximo à Rua Direita, atual Primeiro de Março. Embora não exista registro de um hospício na rua, a proximidade com a igreja e o albergue dos frades conferiu-lhe essa denominação peculiar.

Isto porque, no português antigo, “hospício” era o mesmo que albergue ou hospital, não sendo necessariamente a denominação do local para onde eram internados (na maioria dos casos, à força) pessoas com algum transtorno mental. A rua também teve outros nomes breve, como “Rua da Portuguesa”, devido a Margarida Soares, portuguesa que morava na região; “Rua do Sebastião Ferrão”, um provável tabelião que também foi morador da rua; “Rua do Teixeira”, quando havia exploração de jogos de azar de carteado; “Rua do Becão”, alusão a um cirurgião plástico famoso da época e por fim, “Rua do Alecrim”, talvez pela venda de especiarias.

Diversas mudanças ocorreram ao longo dos anos, e em 1915, durante a gestão do prefeito Rivadávia da Cunha Correia, a rua recebeu o nome de Buenos Aires, em homenagem à capital argentina. Desde então, a Rua Buenos Aires tem sido testemunha das transformações que moldaram o tecido urbano e social do Rio de Janeiro.

Com seu calçamento de paralelepípedos e seu casario histórico, a Rua Buenos Aires foi palco do vaivém dos antigos bondes que cortavam o Centro da cidade. Linhas como a Barcas-Estrada de Ferro e a Bela de São João percorriam seus trilhos, conectando diferentes pontos da metrópole em uma época em que o transporte público era essencial para a mobilidade urbana.

Além de seu papel como via de circulação, a Rua Buenos Aires abrigou uma variedade de estabelecimentos comerciais e instituições importantes. A primeira delas foi a empresa de materiais fecais Mesquita e Moreira, que era responsável por fazer a coleta dos urinóis públicos antes da instalação do serviço de esgoto da cidade. Foi a sede do jornal ‘O Jacobino’, primeira sede do Clube Ginástico Português, da companhia Mútua de Seguros de Vida de Escravos, em 1862; em 1880, o Grêmio dos Professores; e, em 1905, a Liga Metropolitana de Futebol.

Na década de 1930, a rua alcançou seu auge como sede de inúmeros jornais, como A Manhã, O Popular e A Tarde. Essas publicações contribuíram para a disseminação de informações e ideias em uma época de intensa efervescência política e social no Brasil.

Além de sua importância histórica, a Rua Buenos Aires também foi imortalizada na literatura brasileira. Em uma crônica de Machado de Assis, intitulada “Vinte Anos! Vinte Anos!”, a rua é mencionada como cenário de um embate entre personagens em meio aos tumultos da vida urbana neste trecho:

“…Depois de dizer o diabo do correspondente, de fazer e desfazer mil planos, Gonçalves assentou no que lhe pareceu melhor, que era ir à casa dele, na Rua do Hospício, decompô-lo, armado de bengala, e dar-lhe com ela, se ele replicasse alguma coisa. Era sumário, enérgico, um tanto fácil, e, segundo lhe dizia o coração, útil aos séculos…Eram os vinte anos que irrompiam cálidos, fervidos, incapazes de engolir a afronta e dissimular. Gonçalves foi por ali fora, Rua do Passeio, Rua da Ajuda, Rua dos Ourives, até à Rua do Ouvidor. Depois lembrou-se que a casa do correspondente, na Rua do Hospício, ficava entre as de Uruguaiana e dos Andradas; subiu, pois, a do Ouvidor para ir tomar a primeira destas. Não via ninguém, nem as moças bonitas que passavam, nem os sujeitos que lhe diziam adeus com a mão. Ia andando à maneira de touro. Antes de chegar à Rua de Uruguaiana, alguém chamou por ele.”

Hoje, a Rua Buenos Aires mantém seu charme e sua vitalidade, fazendo jus ao seu legado como uma das vias mais emblemáticas do Rio de Janeiro. Ao explorar suas ruas estreitas e seu casario histórico, é possível vislumbrar um fragmento do passado que continua a ecoar nos tempos modernos.

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