Seu João era um homem bastante frágil fisicamente, mas do alto dos seus 1,60 m de altura, mantinha o semblante incrivelmente sereno, em face das mais variadas contingências que a vida lhe impusera ao longo dos anos, sobretudo no enfrentamento estoico quando da morte precoce e dolorosa da esposa, Ana Cecília. 

O humilde João teve apenas um filho, chamado Salomão, que graças ao trabalho árduo exercido na pequena granja da família, pôde estudar e até mesmo graduar-se na faculdade de Direito, por ter recebido uma bolsa de estudos ofertada pelos salesianos da pequena cidade localizada no perímetro da cidade de São Paulo. Salomão, ao contrário do pai, tinha saúde de ferro e temperamento atrevido e empreendedor que o levou, na idade de 33 anos, a ocupar um cargo importante como executivo de finanças numa empresa de fertilizantes prestadora de serviços do agronegócio brasileiro. Era um desses novos ricos exibidos, havia comprado recentemente uma belíssima casa num condomínio de luxo e um carro esportivo inglês daqueles pequeninos, mas que disparam na estrada como se fossem bólidos terrestres.

Infelizmente, pai e filho nunca se deram muito bem, não por culpa do João, que aliás sempre fez tudo o que o filho quis, mas devido às implicâncias de Salomão em relação ao progenitor. O jovem executivo morria de vergonha do pai semianalfabeto, nascido no interior do Mato Grosso do Sul e que jamais havia visitado um shopping center ou colocado os pés em aeroportos. Ademais, Salomão detestava com todas as forças de seu privilegiado intelecto, a religiosidade católica do pai com aquelas romarias feitas a cavalo, as procissões das crianças vestidas de santos e principalmente, as indefectíveis idas à missa todo domingo.

“Quanta alienação e perda de tempo!”, pensava o próspero advogado. “Quando é que essa gente vai aprender que só se sobe na vida através do esforço individual e da adesão necessária e urgente à ciência e à tecnologia?”. Na cabeça do sagaz financista, as crendices do pai só podiam ser explicadas pela baixa escolaridade que, infelizmente, grassa entre as pessoas mais pobres do país.

Entrementes, no ano passado os diretores da empresa de fertilizantes convidaram os principais dirigentes da filial para um evento sinfônico com o maestro israelense Dan Moche, tocando a nona sinfonia de Beethoven. Para desespero de Salomão, os chefes curiosos insistiam em conhecer o seu João, a fim de descobrir a origem de tanta competência e perspicácia jurídicas. 

O moço simplesmente não sabia o que fazer! Comprou sapatos novos e um terno bom e barato para o pai e o instruiu a não dizer uma palavra sequer durante o concerto, a não ser que fosse absolutamente necessário.

João ouviu as recomendações do filho, com a mesma singeleza que ouvia a falecida esposa Ana Cecília em momentos de exaltação.

No grande dia do evento no Teatro Municipal, o pequeno senhor grisalho manteve-se irrepreensivelmente calado, apenas sorrindo diante das perguntas a ele dirigidas. De fato, comportou-se como se fora um verdadeiro nobre inglês. Mas, durante a execução da nona sinfonia, exatamente quando o coro começou a cantar a ode à alegria do poeta Schiller, seu João começou a chorar. No início era um chororô baixinho, mas depois aumentou e despertou a atenção não só dos engravatados, como também da mídia que cobria a efeméride.

Procuraram em alvoroço o homem humilde para entrevistas:

– Por que tanta emoção, meu caro senhor?

Ele nada respondeu, mas depois, sob as luzes fortes dos holofotes empertigou-se, limpou as lágrimas remanescentes e sentenciou:

– É que eu nunca tinha ouvido tamanha boniteza em toda minha vida.

O vídeo inusitado rapidamente viralizou e tomou conta das mídias sociais. João tinha direitos de imagem a receber, um pouco mais de 230 mil reais. Surpreendido pelos agentes responsáveis pelo pagamento no sítio onde morava, o humilde pai recusou o pecúlio, com as seguintes palavras:

– Eu não quero dinheiro algum! Deem tudo ao meu filho Salomão, porque ele, com sua generosidade e gratidão, apresentou-me naquele espetacular teatro, a voz de nosso Senhor Jesus Cristo.