Por Alessandro Monteiro
Nascido em 1932, Stênio Garcia Faro é formado pelo Conservatório Nacional de Teatro, ingressando em 1960 no elenco da última fase do Teatro Brasileiro de Comédia, intercalando suas atuações com Cacilda Becker. Década em que já era um ator premiado em montagens inovadoras do teatro brasileiro.
Na carreira, mais de 50 personagens, 20 novelas, minisséries, 23 filmes. Stênio é reconhecido como patrimônio da televisão brasileira. Atualmente casado com a também atriz Marilene Saade, o ator celebra mais de 60 anos de carreira.
Aos 87 anos, qual o segredo para tanta vitalidade?
Tenho uma rotina diária sempre ativa, exercitando o corpo e mente. Cuido rigorosamente da minha alimentação, não fumo, não bebo nada alcoólico. Também pratico várias atividades físicas como yoga, pilotes, musculação funcional e esteira cardiorrespiratória para continuar mantendo um coração e o pulmão bom. A minha memória é treinada diariamente, seja lendo textos, falando monólogos, por exemplo. Talvez seja um hábito desde o início da carreira, feito para mim mesmo. Hoje tenho a Mari [Marilene Saade], que além de excelente esposa e companheira, é minha ouvinte e apreciadora da minha arte, das poesias que leio e declamo. A roda de amigos, a minha casa. Memória é treino: quanto mais treinar, melhor fica.
Num currículo que somam mais de 60 obras, o que marcou?
Interpretar o Aleijadinho no Caso Especial ‘O Poema Barroco’, na TV Globo, em 1977. Um marco na minha vida. Também o Tio Alli na novela ‘O Clone’, de Glória Perez, e muitos outros.
Na cidade de Mimoso do Sul, no interior do Espírito Santo, onde nasceu, existe o Teatro Stênio Garcia, que vem sofrendo pela falta de manutenção e abandono. Existe algum tipo de relação sua e a Secretaria de Cultura de lá para que mais um espaço de cultura não seja fechado?
É muito triste ver mais um espaço de cultura nessas condições, principalmente na minha cidade. A angústia é muito grande, quando vejo espaços assim, quase fechando, sofro bastante. Dias atrás, estava pensando em realizar esse contato, na tentativa de saber como andam as coisas, a conservação e tudo mais. Os meus troféus estão todos lá, no teatro. Inclusive penso em buscá-los e guardar aqui em casa. Durante a carreira ganhei prêmios importantes e conquistados realmente com o suor do trabalho. Um país não vive sem arte, educação e cultura, porque as três coisas são interligadas. Logo, ver um país decaindo, cinemas sendo vendidos e teatros virando templos para nós, que vivemos de arte, não é fácil!
A sua qualidade de vida está diretamente ligada à natureza?
Nós somos a própria natureza. Eu acho que essa qualidade de vida que as pessoas dizem que eu tenho é, de fato, um olhar diferente para a vida. Vivemos tempos de muita poluição, desmatamento, oceanos e mares cheios de lixo. Também existe a responsabilidade de todos nós em colaborar, do poder público, mas a cada dia a situação tende a evoluir infelizmente, pela falta de conscientização e amor respeito à vida. Eu moro num lugar em que planto árvores, piso na grama, medito e me conecto com o melhor que a gente tem, o que é possível. Sou uma pessoa que luto em prol da natureza. Já tirei lixo de rios, quando morava em Xerém e continuarei lutando e atuante em causas assim.
Atuar é um combustível pra você?
Atuar e trabalhar é a minha vida. Só paro quando não estiver mais aqui.
Uma saudade?
Sim, da minha cidade Mimoso, do Sule, do Doutor Roberto… um ser humano incrível a quem tenho eterna gratidão.
No dia 20 de março, a escritora Glória Perez emitiu um comunicado em que estaria escalando você para sua próxima novela, em 2021. Logo, é possível que seja mantida a sua estabilidade na emissora ou de fato o contrato mudará para contratação somente por obras?
Eu primeiro fiz o vídeo para falar com todos os autores e diretores. Entendo ser a única saída, já que estou em quarentena. Olhando o celular vi que tinha o contato da Glória, do Jayme, de outros amigos. Para minha surpresa, ao passar um WhatsApp para Gloria, imediatamente ela respondeu que eu já seria um dos integrantes do elenco da próxima novela dela na Globo. Não foi um comunicado, apenas uma conversa nossa. Daí perguntei se poderia falar na Globo e prontamente ela respondeu sim. Televisão eu não trabalho por obra, afinal,70 anos de carreira é estrada, né? Essa nova modalidade é para quem está começando, jovens atores, não para nós já consagrados na profissão. Cinema e teatro eu faço, converso e sempre chegamos num acordo.
Cinema, teatro ou TV?
Ah, eu comecei no teatro. Ator é palco, atuação, seja no teatro, cinema, televisão e até mesmo no circo.
Após cinco casamentos, qual a lição aprendida?
Realmente eu tive quatro casamentos anteriores. Acho que toda relação é importante para você crescer. Seja boa, triste, não importa. Meu quinto casamento eu posso dizer que farei 22 anos juntos, bem-sucedidos.
Stênio, você como referência para muitos aspirantes à carreira e aplaudido por tantos colegas da classe artística, é sempre elogiado pelo seu jeito simples e acessível. É o seu segredo do sucesso para tantos anos?
Ah, eu não sei, Alessandro. Realmente sou uma pessoa simples, humilde e acho que fazer o trabalho deve ser realizado com excelência em todas as áreas. Não vaidade em relação a isso. Tenho minha consciência como ser humano.
Ainda tem sonhos? O que falta?
Claro, tenho muitos sonhos profissionais e de vida ainda. Desejo viajar muito com minha mulher, fazer muitas coisas com ela. Quem sabe eu chego aos 100 anos [risos]. Ninguém vive sem sonhos. Claro, é importante ter vitalidade, saúde e sanidade mental. Eu trabalho em casa para isso e acredito que se você mantém uma mente trabalhando, vida saudável e paz de espírito, é possível chegar nesta idade lúcido, com boa memória, em plenitude.
Podemos te esperar nos palcos?
Claro! Não somente nos palcos, mas nas ruas, no supermercado, na vida. Essa pandemia vai passar. É uma forma de aprendizado para todos nós, seres humanos. Os projetos vão seguir. Tenho muitas coisas ainda para realizar, muitas! Atuar é a minha vida!
Durante a entrevista, você foi comunicado do desligamento da TV Globo. É verdade?
Sim, para minha surpresa. Eu teria uma reunião agendada para o último dia 25 de março. Porém tudo foi suspenso devido à pandemia do coronavírus. Entendi que teríamos uma nova conversa, mas a coisa não foi assim. Para continuar, eu deveria estar escalado para algum trabalho agora e já entrando nas filmagens, o que jamais aconteceria, visto que tudo está suspenso. A Glória foi uma querida, eu agradeço, mas a vida segue. Não adianta falar de ilusão e não vou me calar! Vamos à luta e que aconteça o melhor, para ambas as partes.
Uma mensagem?
Nunca pare. Não é somente o idoso que para. O jovem quando para fica deprimido. Não parem de sonhar, trabalhar, realizar as boas coisas da vida, mesmo que tenham dificuldades. Li há pouco tempo que o Bill Gates não estará mais a frente da Microsoft e se dedicará a trabalhos filantrópicos. Não é genial? Ainda pretendo realizar muitos trabalhos filantrópicos também. Sonhem, sonhem muito! Materializem seus sonhos, escolhem um caminho a seguir, coloca foco e vai, sem medo de sofrer quedas. Na vida, é preciso ousar. Trabalho desde sete anos de idade e só paro quando a vida me parar.
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