Jornal DR1

Tribunais dos EUA condenam falsa pejotização de forma enfática – até com prisão

Crédito: Unsplash

O Direito do Trabalho nos Estados Unidos reprime a falsa pejotização e os tribunais americanos reiteradamente condenam empresas que recorrem a esse subterfúgio para evadir-se da legislação trabalhista e para elidir a incidência de contribuições fiscais e para fiscais.

A lei é aplicada de forma enfática e severa, incluindo pena de prisão para empresários que recorrem ao expediente com o propósito deliberado de fraude fiscal.

Conheça o JOTA PRO Trabalhista, solução corporativa que antecipa as movimentações trabalhistas no Judiciário, Legislativo e Executivo

Nos Estados Unidos, embora a legislação (Fair Labor Standards Act) não defina com clareza como se determina se um trabalhador é empregado (employee) ou autônomo (independente contractor), a jurisprudência dos tribunais federais, no exercício da jurisdição trabalhista, desenvolveu a “doutrina das realidades econômicas” (economic realities doctrine).

A pedra angular do teste das “realidades econômicas” é verificar se o trabalhador é “economicamente dependente do negócio para o qual ele presta serviço ou se ele está, como uma questão de realidade econômica, atuando por conta própria” Schultz v. Capital Int´l Sec, Inc., 466 F 3d 298, 304-05 (4th Cir. 2006).

Para avaliar a ocorrência ou não da dependência econômica os tribunais americanos desenvolveram o “teste dos seis fatores”, que são os seguintes: (1) o grau de controle que o suposto empregador detém sobre a maneira pela qual o trabalho é prestado; (2) as oportunidades do trabalhador para lucrar ou perder dependendo de suas habilidades profissionais; (3) o investimento do trabalhador em equipamentos ou materiais, ou sua eventual contratação de outros trabalhadores; (4) o grau de especialidade exigida pelo trabalho; (5) a permanência da relação de trabalho; (6) o grau em que os serviços prestados constituem parte integral do negócio do suposto empregador.

Observe-se que há uma enorme correlação entre os itens desse “teste” e muitos dos critérios usados por tribunais trabalhistas brasileiros na aplicação dos artigos 3º e 9º da CLT: (1) subordinação jurídica; (2) e (3) assunção dos riscos do negócio; (4) especialização do trabalho; (5) continuidade ou não eventualidade e (6) atividade-fim ou essencial (sim, a polêmica atividade-fim, os tribunais americanos também a usam).

Uma simples pesquisa pelos termos “worker missclassification” em buscadores judiciais dos EUA revela que há milhares de decisões condenando empregadores que haviam fraudulentamente contratados trabalhadores por meio de suas pessoas jurídicas (independent contractors): Vejamos algumas mais recentes e significativas:

Em julho de 2025, o Tribunal Federal do Quarto Circuito decidiu que uma empresa de agenciamento de enfermeiros “autônomos” para atendimento domiciliar deve contratá-los como empregados, bem como a pagar uma indenização de US$ 9,3 milhões (cerca de R$ 50 milhões) a um grupo de mais de mil trabalhadores, além de multa civil de US$ 700 mil.

Os juízes entenderam, depois de aplicar o “teste dos seis fatores”, que a empresa controlava o trabalho dos enfermeiros, inclusive com supervisão diária, estabelecendo de forma unilateral salários, postos de trabalho, e regras disciplinares que incluíam vestimenta, cronometragem do trabalho e conduta (Chavez-Deremer v. Med. Staffing of Am., LLC, No. 23-2176, 2025 WL 1969525, 4th Cir. 17 July 2025).

Na Justiça Federal do Distrito Norte da Califórnia, uma franqueadora nacional de serviços de limpeza e supostos “franqueados” de serviços de limpeza chegaram a um acordo proposto de US$ 30 milhões em uma ação coletiva por classificação incorreta de trabalhadores contratados como pessoa jurídica na modalidade “franqueado”.

A ação alegava que a Jan-Pro Franchising International, Inc. submeteu os faxineiros a “deturpações sistemáticas e quebras contratuais em suas relações com a empresa, ao alegar vender ‘franquias’ de limpeza sabendo que não possuía negócios suficientes para cumprir suas obrigações”, além de classificá-los incorretamente como franqueados e não como empregados — em violação às leis da Califórnia sobre salário-mínimo, horas extras, reembolso de despesas e deduções ilegais. O acordo ocorreu em 2024.

Em 2024, a Suprema Corte de Wisconsin decidiu que os motoristas do Amazon Flex eram empregados, e não contratados autônomos. Mais de 1.000 motoristas passaram a ter direito a benefícios de desemprego, e a Amazon foi obrigada a pagar mais de US$ 200 mil em contribuições de seguro social retroativas.

A XPO Logistics enfrentou várias ações coletivas movidas por motoristas de caminhão dos portos do sul da Califórnia, que alegavam ter sido classificados incorretamente como autônomos pejotizados. Os motoristas afirmaram que a dedução de despesas operacionais, como o aluguel de caminhões e o seguro, resultava em ganhos abaixo do salário-mínimo. Em 2021, a XPO Logistics concordou em pagar US$ 30 milhões para resolver essas reivindicações e as violações relacionadas ao FLSA.

Além das condenações judiciais, a autoridade equivalente ao nosso Ministério do Trabalho (Department of Labor ou DOL) pune regularmente empresas de todos os tamanhos por classificação incorreta de empregados como “PJ”. Aqui estão alguns exemplos recentes de empresas que classificaram erroneamente seus empregados como contratados e enfrentaram multas e consequências legais.

Em 2016, duas empresas de construção de Massachusetts enquadraram intencionalmente mais de 400 trabalhadores de forma incorreta, contratando-os civilmente como pessoas jurídicas. A consequência foi uma multa de US$ 2,36 milhões (por horas extras e danos).

Em 2021, a Holland Services classificou erroneamente 700 empregados como pessoa jurídica. A investigação do DOL nesse caso resultou em quase US$ 43,2 milhões, que a empresa teve que pagar em salários atrasados e indenizações.

Outro caso de 2021: a Servant’s Quest violou a FLSA ao classificar incorretamente 50 trabalhadores como pessoas jurídicas. Devido às horas extras não pagas, a empresa teve que pagar US$ 358.675 em salários retroativos.

Nesse mesmo ano, no estado de Delaware, o dono de uma empresa de construção foi considerado culpado por classificar de forma incorreta 30 trabalhadores da construção civil que deveriam ser empregados. Como as autoridades determinaram que o ato foi intencional com o objetivo de sonegar impostos, o proprietário da G&R Drywall and Framing foi condenado a quase dois anos de prisão, com 12 meses adicionais de liberdade condicional consecutiva.

Mais recentemente, em 2024, o DOL investigou a Arise Virtual Solutions e abriu um dos maiores processos por missclassification da sua história. A agência federal alegou que a empresa terceirizada de atendimento ao cliente contratou mais de 22.000 trabalhadores como prestadores de serviço, mas não lhes deu autonomia total ou poder de decisão sobre seu trabalho. Houve um acordo em juízo, e a empresa concordou em pagar U$ 13 milhões de dólares em indenização.

Receba gratuitamente no seu email as principais notícias sobre o Direito do Trabalho

Nos EUA, além do Judiciário e do Ministério do Trabalho, até mesmo agências administrativas de governos estaduais e locais podem reprimir a pejotização fraudulenta.

Veja-se o caso que ocorreu no Distrito de Columbia, no qual as autoridades locais processaram a subcontratada de distribuição de energia elétrica Power Design, que concordou em pagar US$ 3,75 milhões em 2024, após uma investigação municipal revelar uma ampla classificação incorreta de trabalhadores. Foi a maior recuperação de direitos trabalhistas da história de Washington, D.C., e destacou a vulnerabilidade do setor da construção civil a pejotização fraudulenta.

Esses fatos incontroversos e inquestionáveis mostram o quão falaciosos têm sido os argumentos do ministro Gilmar Mendes, que vem defendendo publicamente que a pejotização seria uma tendência “mundial”. Ao contrário do que Sua Excelência alega, todos os países minimamente civilizados reprimem a transformação artificial e fraudulenta de empregados em “pessoas jurídicas” ou “microempreenderores

Confira também

Nosso canal