Mais de 2,5 mil aves morreram ao colidir com janelas e fachadas de vidro. Estudo liderado por brasileiros chama atenção para os riscos urbanos à biodiversidade.
Um novo estudo publicado esta semana na revista científica Ecology revelou um problema silencioso e letal para a avifauna da América Latina: a colisão de aves contra janelas, fachadas e outras estruturas de vidro. O levantamento identificou 4.103 registros de acidentes entre 1946 e 2020 em 11 países da América Central e do Sul, com 2.537 mortes imediatas. Outras 1.515 aves foram encontradas com vida e levadas para reabilitação.
Coordenada por dois pesquisadores brasileiros — Augusto João Piratelli, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Bianca Ribeiro, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) — em parceria com o cientista Ian MacGregor-Fors, da Universidade de Helsinque (Finlândia), a pesquisa envolveu a colaboração de mais de 100 cientistas, incluindo dezenas de brasileiros.
Entre as mais de 500 espécies afetadas, algumas estão ameaçadas de extinção. No Brasil, foram registrados 1.452 casos, com vítimas como o gavião-pombo-pequeno (Buteogallus lacernulatus), a cigarrinha-do-sul (Sporophila falcirostris) e a saíra-pintor (Tangara fastuosa), todas espécies endêmicas da Mata Atlântica.
“O estudo mostra que janelas e estruturas de vidro representam uma ameaça grave, sobretudo porque as aves não conseguem perceber esses obstáculos”, explica Flávia Guimarães Chaves, pesquisadora do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e colaboradora do estudo. Segundo ela, o reflexo do céu ou da vegetação nas superfícies de vidro cria uma ilusão de continuidade no ambiente, levando as aves a colidirem em alta velocidade.
Na cidade de São Paulo, foram contabilizadas 629 colisões, número que chama a atenção pelo impacto urbano na fauna silvestre. Um dado importante revelado pela pesquisa é que não houve grande diferença entre vidros reflexivos ou translúcidos em termos de risco para os animais. Ambos são igualmente perigosos quando não recebem sinalização apropriada.
De acordo com os cientistas, os acidentes se concentram nos períodos de migração e reprodução das aves, quando muitas espécies estão mais ativas, percorrendo longas distâncias ou procurando locais para formar ninhos.
Apesar da gravidade do problema, as soluções são simples e acessíveis.
“Aplicar adesivos visíveis, como pontos ou faixas espaçados entre 10 e 15 centímetros de forma simétrica, já é suficiente para alertar as aves e evitar colisões”, explica Flávia Chaves.
Outras medidas recomendadas incluem o uso de cortinas antirreflexo, persianas internas e, no caso de construções novas ou reformas, a instalação de vidros serigrafados, com faixas UV visíveis para as aves.
Além da conscientização dos cidadãos, o estudo pode subsidiar políticas públicas, normas de arquitetura e campanhas educativas voltadas à construção de cidades mais seguras para a biodiversidade.